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FUTEBOL
Lembranças de uma eleição
TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA
Em 1960 , na eleição para presidente da República, tive a
primeira experiência de cidadão.
Era um adolescente sonhador e
tímido. Incentivado pela família,
participei do comitê pró-Jânio
Quadros, no bairro onde morava.
Em vez de jogar bola no intervalo
das aulas, distribuía e colava cartazes. Sentia-me importante.
Jânio Quadros era, naquele momento, o meu grande ídolo,
maior até que Pelé, Garrincha,
Didi, Nilton Santos e outros craques campeões do mundo. Jânio
iria limpar o Brasil com a sua vassoura (símbolo da campanha).
Houve um grande comício no
bairro. Estava lá, ao lado do meu
querido pai, perto do palanque. A
multidão vibrava com os gestos
histriônicos e o discurso singular
de Jânio Quadros. Tive vontade
de chegar mais perto, tocar e pedir um autógrafo ao futuro presidente, como fazem os fãs com os
ídolos. A timidez e a idade não
permitiram. Fui para casa feliz
sonhando com um novo Brasil.
Porém a realidade era outra.
Jânio renunciou. Foi uma grande
decepção.
Muitos anos depois, compareci
a uma reunião familiar de brasileiros em Houston (EUA), onde tinha sido operado e fazia controle
médico. Estava lá o Jânio numa
roda, com o mesmo discurso envolvente e sedutor. A filha do ex-presidente morava na cidade.
Cumprimentei o Jânio e fui para o canto oposto. Tinha por ele
sentimentos de raiva, desprezo e
também de compreensão. Tenho
o defeito de tentar sempre entender o outro lado. Diziam que ele
tinha sido traído pelos militares.
Hoje, vivo de novo a esperança
de mudanças. São situações diferentes. Os próximos anos serão difíceis. Sei que nada se muda por
decreto nem em pouco tempo.
Não sou mais um sonhador ingênuo, delirante, quixotesco.
Mas, se o novo governo plantar
com coragem, principalmente para os mais necessitados e excluídos, muitas coisas boas serão colhidas na frente. O Brasil não
mais pode ser refém de uma poderosa e egoísta elite econômica.
"Felipão, a alma do penta"
No livro "Felipão, a Alma do
Penta", de Ruy Carlos Ostermann, o técnico narra no início
de seu diário da Copa: "Treinamos o 3-4-1-2, com a variante do
3-3-2-2, e também o 3-3-3-1". No
final, diz: "O esquema que deu
melhor resultado foi o 3-4-2-1".
Entendeu? Se o Felipão e outros
técnicos fossem mais claros e explicassem o que pensam, muitas
críticas perderiam o sentido.
Não entendo por que os treinadores, como Felipão, escalam os
alas no meio-campo. Roberto
Carlos e Cafu foram brilhantes
individualmente, mas jogaram
de laterais defendendo e atacando, sempre correndo encostados
na linha lateral. Alguém viu um
dos dois atuando no meio?
Quando o técnico diz que a
equipe deu mais certo com o 3-4-2-1, quer dizer que foi o time com
Kleberson no lugar do Juninho,
Ronaldinho e Rivaldo jogando do
meio para a frente e apenas Ronaldo fixo no ataque, com o que
concordo. A principal virtude coletiva do Brasil foi ter dois meias
de ligação, e não só um, que seria
facilmente marcado.
Na verdade, o Brasil atuou até a
partida contra a Bélgica, pelas oitavas-de-final, com três zagueiros
(às vezes Edmilson jogava na
frente dos outros dois), dois laterais, apenas Gilberto Silva fixo no
meio-campo (foi um grandíssimo
erro), um jogador que corria desordenadamente de uma área a
outra (Juninho), dois meias-atacantes e um centroavante. Não
consigo numerar esse esquema.
Nos últimos três jogos, com a
entrada do Kleberson no lugar do
Juninho, o time melhorou muito
porque teve dois típicos meias.
No mundo inteiro, os técnicos
falam que o esquema ideal é o
que tem equilíbrio, com o time
atacando e defendendo com muitos jogadores. Virou um clichê. A
seleção não jogou assim. Talvez,
por não seguir nenhum desenho
tático tradicional, o esquema ajudou na conquista do título. Foi
por acaso ou foi planejado?
As melhores coisas na vida
acontecem por acaso ou são determinadas por associações inconscientes. Existe um saber que
antecede ao conhecimento lógico.
O Brasil venceu, principalmente, pelas espetaculares atuações
de alguns jogadores e também pelo bom trabalho do técnico, que
teve mais acertos do que erros. Os
problemas de outras seleções facilitaram a vitória brasileira.
Os vencedores também cometem falhas. Isso Felipão não admite no livro. "Perder é uma forma de aprender. E ganhar, uma
forma de se esquecer o que se
aprendeu." (Carlos Drummond
de Andrade)
E-mail
tostao.folha@uol.com.br
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