São Paulo, domingo, 06 de outubro de 2002

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FUTEBOL

Lembranças de uma eleição

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Em 1960 , na eleição para presidente da República, tive a primeira experiência de cidadão.
Era um adolescente sonhador e tímido. Incentivado pela família, participei do comitê pró-Jânio Quadros, no bairro onde morava. Em vez de jogar bola no intervalo das aulas, distribuía e colava cartazes. Sentia-me importante.
Jânio Quadros era, naquele momento, o meu grande ídolo, maior até que Pelé, Garrincha, Didi, Nilton Santos e outros craques campeões do mundo. Jânio iria limpar o Brasil com a sua vassoura (símbolo da campanha).
Houve um grande comício no bairro. Estava lá, ao lado do meu querido pai, perto do palanque. A multidão vibrava com os gestos histriônicos e o discurso singular de Jânio Quadros. Tive vontade de chegar mais perto, tocar e pedir um autógrafo ao futuro presidente, como fazem os fãs com os ídolos. A timidez e a idade não permitiram. Fui para casa feliz sonhando com um novo Brasil.
Porém a realidade era outra. Jânio renunciou. Foi uma grande decepção.
Muitos anos depois, compareci a uma reunião familiar de brasileiros em Houston (EUA), onde tinha sido operado e fazia controle médico. Estava lá o Jânio numa roda, com o mesmo discurso envolvente e sedutor. A filha do ex-presidente morava na cidade.
Cumprimentei o Jânio e fui para o canto oposto. Tinha por ele sentimentos de raiva, desprezo e também de compreensão. Tenho o defeito de tentar sempre entender o outro lado. Diziam que ele tinha sido traído pelos militares.
Hoje, vivo de novo a esperança de mudanças. São situações diferentes. Os próximos anos serão difíceis. Sei que nada se muda por decreto nem em pouco tempo. Não sou mais um sonhador ingênuo, delirante, quixotesco.
Mas, se o novo governo plantar com coragem, principalmente para os mais necessitados e excluídos, muitas coisas boas serão colhidas na frente. O Brasil não mais pode ser refém de uma poderosa e egoísta elite econômica.

"Felipão, a alma do penta"
No livro "Felipão, a Alma do Penta", de Ruy Carlos Ostermann, o técnico narra no início de seu diário da Copa: "Treinamos o 3-4-1-2, com a variante do 3-3-2-2, e também o 3-3-3-1". No final, diz: "O esquema que deu melhor resultado foi o 3-4-2-1".
Entendeu? Se o Felipão e outros técnicos fossem mais claros e explicassem o que pensam, muitas críticas perderiam o sentido.
Não entendo por que os treinadores, como Felipão, escalam os alas no meio-campo. Roberto Carlos e Cafu foram brilhantes individualmente, mas jogaram de laterais defendendo e atacando, sempre correndo encostados na linha lateral. Alguém viu um dos dois atuando no meio?
Quando o técnico diz que a equipe deu mais certo com o 3-4-2-1, quer dizer que foi o time com Kleberson no lugar do Juninho, Ronaldinho e Rivaldo jogando do meio para a frente e apenas Ronaldo fixo no ataque, com o que concordo. A principal virtude coletiva do Brasil foi ter dois meias de ligação, e não só um, que seria facilmente marcado.
Na verdade, o Brasil atuou até a partida contra a Bélgica, pelas oitavas-de-final, com três zagueiros (às vezes Edmilson jogava na frente dos outros dois), dois laterais, apenas Gilberto Silva fixo no meio-campo (foi um grandíssimo erro), um jogador que corria desordenadamente de uma área a outra (Juninho), dois meias-atacantes e um centroavante. Não consigo numerar esse esquema.
Nos últimos três jogos, com a entrada do Kleberson no lugar do Juninho, o time melhorou muito porque teve dois típicos meias.
No mundo inteiro, os técnicos falam que o esquema ideal é o que tem equilíbrio, com o time atacando e defendendo com muitos jogadores. Virou um clichê. A seleção não jogou assim. Talvez, por não seguir nenhum desenho tático tradicional, o esquema ajudou na conquista do título. Foi por acaso ou foi planejado?
As melhores coisas na vida acontecem por acaso ou são determinadas por associações inconscientes. Existe um saber que antecede ao conhecimento lógico.
O Brasil venceu, principalmente, pelas espetaculares atuações de alguns jogadores e também pelo bom trabalho do técnico, que teve mais acertos do que erros. Os problemas de outras seleções facilitaram a vitória brasileira.
Os vencedores também cometem falhas. Isso Felipão não admite no livro. "Perder é uma forma de aprender. E ganhar, uma forma de se esquecer o que se aprendeu." (Carlos Drummond de Andrade)

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