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Crítica/"Dissidente"
Espetáculo tem méritos, mas esconde riquezas do texto
Montagem do Núcleo Caixa Preta abafa qualidade minimalista da dramaturgia
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
Encenar é trair e muitas
vezes a traição de um
texto revela sua grandeza. Não é o caso do espetáculo "Dissidente", que encena pela primeira vez no Brasil uma
peça de Michel Vinaver, talvez
o maior dramaturgo francês vivo. A montagem do Núcleo Caixa Preta, dirigida por Miriam
Rinaldi, tem méritos, mas a ânsia de valorizar a dramaturgia
esconde sua maior riqueza.
"Dissidente, sem Dúvida" é a
menos complexa das quatro
peças que Vinaver escreveu nos
anos 1970 e que foram reunidas
por ele numa publicação sob o
título de "Peças de Câmara".
Com características minimalistas, têm em comum uma economia radical na estrutura dramática, sem rubricas e com diálogos curtos que não contextualizam a ação. Fruí-las é focar
mais no aspecto musical, no ritmo e na tonalidade de suas linhas, do que na trama. Ainda
que não cheguem à abstração,
elas falam por si e repelem ilustrações de sentidos. Solicita-se
do público, nas palavras do autor, "uma escuta atenta".
O mais experimental desses
textos, "A Procura de Emprego
- Uma Peça em Trinta Pedaços", de 73, desenvolve variações em torno do tema da ocupação -de posto de trabalho ou
de função social- a partir de
quatro personagens situados
em lugares distintos. Suas falas
mais se justapõem do que se
encaixam. Em "Dissidente,
sem dúvida", de 76, este caráter
de montagem de fragmentos
permanece, mas com diálogos
diretos entre os personagens
de uma mãe divorciada e seu filho, e com unidade de lugar, o
apartamento onde eles moram.
A encenação de Miriam Rinaldi dribla as dificuldades de
um espaço cênico limitado com
a inteligente recusa de uma caracterização naturalista. Algumas cadeiras vermelhas enfileiradas e cortinas de envelopes
plásticos transparentes, repletos de produtos industriais,
bastam-se na ambientação. A
evocação da natureza econômica que reveste as relações humanas é coerente com o espírito que animava Vinaver na época em que escreveu a peça, marcada, na França, por fortes conflitos entre capital e trabalho.
Os lacônicos chavões ditos pelos personagens expressam as
marcas de uma sociedade afundada nos valores mercantis.
Já as opções de construir
partituras silenciosas entre as
doze cenas da peça e de sobrepor às falas dos personagens
uma intensa ação física dos atores conflitam com o teatro de
Vinaver.
Se valorizam os trabalhos de Cácia Goulart e José
Geraldo Rodrigues, propondo-lhes um desempenho virtuoso
diante daquele mínimo que o
autor lhes oferece, afastam o
espectador do que seria mais
próprio nas suas peças. Ao ilustrarem as falas, talvez supondo
de que elas fossem muito pouco, acrescentam-lhes um elemento estranho, performativo.
Os criadores do espetáculo
merecem elogios pela iniciativa
de montar Vinaver e pelo cuidado com que o fizeram. A tentação de preencher o que era
para permanecer vazado é comum nas montagens de suas
peças, e isso nunca o incomodou muito. Mas o que havia de
mais rico acabou abafado, ainda que com ótimas intenções.
DISSIDENTE
Quando: qui. e sex., às 21h; até 1/4
Onde: Sesc Consolação (r. Dr. Vila Nova, 245; tel. 0/xx/ 11/3234-3000)
Quanto: R$ 10
Classificação indicativa: 14 anos
Avaliação: bom
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