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Livro e CD tiram poeira da memória do homem que introduziu a delicadeza no canto nacional
Mario Reis, o moço velho que nunca morreu
Arquivo Cinédia
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O BIOGRAFADO No alto, o cantor Mario Reis na rádio Mayrink Veiga, nos anos 30, observado por fãs do outro
lado do vidro do estúdio; |
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
O carioca Mario Reis (1907-81)
já é, para a maioria dos consumidores, personagem musical encoberto de poeira, traças e esquecimento. Mas, para seu primeiro
biógrafo, o crítico e jornalista Luís
Antônio Giron, 41, ele merece as
320 páginas de "Mario Reis - O Fino do Samba" por ser daquelas
raras figuras paradigmáticas que
alteram para sempre o rumo da
arte em que dão de se intrometer.
No lançamento do livro, hoje,
em São Paulo, Giron conta com
auxílio da cantora paulista Maricenne Costa, que espanará um
pouco o pó de clássicos que o artista interpretou nos anos 20 e 30,
antes de abandonar precocemente a carreira musical (faria, a partir
daí, voltas esporádicas e ligeiras).
Para Giron, que trabalhou na
Folha e hoje escreve na "Gazeta
Mercantil", Mario é crucial porque balançou vários padrões musicais brasileiros, promovendo a
troca do sistema mecânico de gravações pelo elétrico, do canto gritado pelo delicado, do separatismo entre elites e povão por um esboço de interação. Leia trechos da
entrevista.
Folha - Por que a escolha de Mario Reis como seu biografado?
Luís Antônio Giron - Acho ele
uma figura paradigmática da música brasileira. Traz ao Brasil a noção de que um cantor também
precisa compor a canção com sua
voz. Minha identificação com ele
é grande, ele era um esteta, um
perfeccionista, um recluso, mas
muito orgulhoso daquilo que fez.
Era um cantor de vanguarda. Iniciou o canto brasileiro moderno,
e hoje suas gravações são desconhecidas. Morreram quase todos
os protagonistas, sobraram algumas pessoas, com as quais falei.
Na próxima geração já não ia haver mais nada sobre ele.
Folha - Biografia era um gênero
que estava nos seus planos?
Giron - Não estava nos meus planos, não. Desconfio muito de biografia, porque acho impossível o
biógrafo atingir uma visão correta
sobre o biografado. Mas serviu
para contar a história de uma passagem que interessa muito na
música brasileira: o momento em
que a era mecânica é substituída
pela elétrica, em que o autofone
dá lugar ao microfone. Essa é minha obsessão: examinar a emergência, a aparição súbita do novo,
analisar em que isso transforma o
gosto, a estética e a arte de um
tempo. Ele criou uma nova fonética para o samba, um coloquialismo na forma de dividir as frases
que se opôs à maneira italiana,
empostada, de cantar.
Folha - Por que Francisco Alves
empostou a voz depois que abandonou a parceria com Mario Reis?
Giron - Durante as 24 gravações
que eles fizeram juntos, entre 1931
e 1932, Francisco Alves precisou
adequar sua voz à maneira de Mario Reis cantar. Mario era mais
confessional que Francisco Alves,
se aproximava do microfone para
cantar. Acontece que depois de
Mario -não há um bom motivo
para isso- ele começou a entrar
naquela estética hollywoodiana,
de uma voz mais empostada, um
jeito mais romântico de cantar.
Folha - Houve um retrocesso nisso, uma vitória conservadora?
Giron - Foi um retrocesso violento em relação ao que Mario Reis
ensinou a Francisco Alves e ao
que ele próprio experimentou nos
anos 20. Alves era um cantor muito mais avançado nos anos 20 que
no final dos anos 30. O porquê é
difícil saber, diz respeito ao gosto
musical geral. Foram mais ou menos 30 anos a mais de modelo italiano, até o advento dos conjuntos
vocais e dos crooners de influência americana, cool. Quanto a Mario, ele percebeu que o mercado ia
engoli-lo e saltou fora. Soube calcular o auge e pular fora. É exemplo único, por isso o chamaram
de Greta Garbo brasileira.
Folha - O livro não glamouriza
Mario, mesmo em sua decadência?
Giron - Sim, sempre corre em relação a ele essa contraposição de
derrota e egocentrismo, fracasso e
orgulho. Quer coisa mais decadente que morar num hotel quando se está sozinho e aposentado?
Ele terminou a vida no Copacabana Palace, um símbolo decadente.
Sempre sinto nele essa figura patética do mendigo elegante, um
glamour mergulhado no fracasso
estético auto-imposto.
Folha - Como um crítico implacável se coloca numa biografia?
Giron - É complicado fazer crítica numa biografia. É preciso domar a verve. O crítico precisa às
vezes segurar o tchan, mas é claro
que há interpretação, interferência crítica. É preciso perceber que
a chamada modernidade não começou em 58, com a bossa nova.
O novo veio de antes, e há vários
novos. Uma das funções do jornalista é mostrar que o passado é
mais profundo que se pensa.
LANÇAMENTO - "Mario Reis - O Fino do
Samba", de Luís Antônio Giron, com
show de Maricenne Costa. Onde:
Pergamon Hotel (r. Frei Caneca, 80, tel.
0/xx/11/3120-2021). Quando: hoje, às
19h30. Entrada franca.
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