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Rússia é condenada à tragédia, diz diretor

Autor de 'Fausto', Aleksandr Sokurov diz que destino de país é 'causar danos a outros', mesmo que involuntariamente

Cineasta russo apresentou curtas realizados por seus alunos em Festival de Locarno, na Suiça

LUCAS NEVES COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LOCARNO (SUÍÇA)

Principal cineasta russo da atualidade, Aleksandr Sokurov, 63, diz que gigantes territoriais como seu país, a China e os EUA "estão condenados a causar danos a outros, mesmo que involuntariamente". Para ele, só a liquidação dos arsenais nucleares pode quebrar essa sina.

O diretor de "Fausto" (2011) é uma das vozes mais ruidosas de contestação a Vladimir Putin. Em fevereiro, lançou carta aberta ao presidente dizendo-se "desesperado" ao ver servidores defenderem "discriminação, perseguição e morte" de compatriotas.

Há dois meses, voltou à carga, pedindo a liberação dos presos políticos no país.

Mas nem só de espinhos é a relação com o Kremlin. Alguns anos atrás, ele pediu a Putin (e recebeu) verba para as filmagens de "Fausto".

O que não fez dele um simpatizante governista. "Não sei o que nos espera", afirma à Folha em Locarno, onde foi apresentar curtas-metragens dirigidos por seus alunos.

Leia a seguir os principais trechos da conversa.

-

Folha - O sr. fez retratos dramatizados da intimidade de Lênin, Hiroito e Hitler. Como filmaria a intimidade de Putin?
Aleksandr Sokurov - [sorri] Nunca tive esse desejo latente... Mas se me ocorresse uma ideia, acho que teria toda liberdade. Estive com Putin várias vezes. Não tenho medo de conversar com os poderosos. Eles são iguais a nós, talvez até mais humanos. São as pessoas menos livres do mundo. Todo homem político carrega uma ânsia: como será o amanhã? Dormir toda noite com esse pesadelo é algo que não desejo a ninguém.

E o que amanhã reserva para Putin, considerando-se a crise na Ucrânia e as sanções ocidentais à Rússia?
Países enormes como a Rússia, os EUA e a China estão condenados à tragédia, a causar danos a outros, mesmo que involuntariamente. Para evitar isso, é preciso destruir os arsenais nucleares. Se na ciência fizemos avanços notáveis, na política ainda estamos na Idade Média. É hora de reeducar os políticos. Para aprenderem algo, seria preciso deportá-los para o Saara e fazê-los viver à base de água e comida escassos [risos].

Quão livre é um artista na Rússia hoje?
A situação é difícil. Estamos tentando convencer o presidente de que não pode seguir a política atual. Não sei o que nos espera, porque os índices de aprovação ao governo estão em alta, e a oposição, enfraquecida. Temo que, no futuro, não exista mais contestação, porque todas as instâncias de apelação terão sido fechadas. Há um grupo pequeno de ricos na Rússia que teme mudanças políticas.

O sr. já se definiu como "mais literário do que cinematográfico". O cinema deve andar a reboque da literatura?
É impossível levar à tela o que está escrito. Tudo o que Shakespeare queria dizer já está no papel, não precisa de explicação. A palavra é um homem livre, enquanto a imagem tem duração, limite, é um homem aprisionado.

Então a literatura é sempre maior do que o cinema?
As histórias criadas por escritores são mais sólidas. O cinema como arte é uma criança pequena que precisa ser acompanhada por um adulto. Por isso, as tramas testadas pelo tempo são uma boa base para ele, evitam alguns erros. E um cineasta comete muitos erros. Há grandes músicos e escritores, mas não grandes cineastas.

O sr. acha mesmo?
Não há grandes no cinema. Não temos base suficiente de comparação, trata-se de uma arte recente. Comparemos cineastas a médicos. Todos propagandeiam ter o melhor método para curar os pacientes. Mas, no cinema, a doença não vai embora porque cada um acredita ser o mais capacitado e se isola em sua sabedoria. Ninguém quer unir forças.


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