São Paulo, segunda-feira, 19 de março de 2001

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OPINIÃO ECONÔMICA

Estado do crédito

FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA

O estado do crédito representa as expectativas dos credores em relação aos negócios de seus clientes. Os balanços dos bancos, recém-publicados, revelam que houve um expressivo crescimento de suas operações de crédito, durante o ano passado.
No entanto o tradicional indicador entre o crédito total e o PIB manteve-se em patamar pouco inferior a 29%, dois pontos percentuais abaixo do atingido há quatro anos. Em outros países, como o Chile e os EUA, atinge o dobro. No Japão, o saldo dos empréstimos supera o PIB, assim como em alguns países europeus.
Determinismo histórico-cultural? A cultura do regime de alta inflação não foi ultrapassada? A memória inflacionária não mais justifica a fuga do crédito indexado em razão de uma taxa de inflação imprevisível.
Determinismo geográfico? Nessa "terra abençoada", as companhias lucram mais e devem menos do que as instaladas alhures. Isso apesar de abandonarem o velho hábito inflacionário de remarcar preços sempre com uma superestimativa da taxa de inflação futura como margem de proteção. Era a forma de reter lucros suficientes para o autofinanciamento. Hoje, o lucro das companhias no Brasil tem aumentado num ritmo superior ao da receita. Redução dos custos fixos, elevação da eficiência e ganhos de escala são apontados pelos empresários como as causas fundamentais. Automação, corte de custo com mão-de-obra e aumento da produtividade estão nelas embutidos.
Determinismo financeiro? A bandeira de luta pela reforma financeira está anacrônica. O problema da realização de empréstimos no país não é, como os reformistas acham, de racionamento da quantidade ofertada. Não basta "criar as condições institucionais" para o crédito surgir. Se não houver demandante, não haverá o "milagre da multiplicação". O multiplicador monetário opera por meio de várias rodadas de empréstimos-depósitos-empréstimos, dentro do sistema bancário. Um banco não é auto-suficiente. Isoladamente, sem contar com clientes devedores e depositantes, não pode criar moeda de crédito.
As condições adequadas para uma operação de tomada de empréstimo exigem, em primeiro lugar, uma expectativa otimista a respeito do horizonte de crescimento da economia. A decisão de empréstimo depende do risco do tomador quanto à confirmação da renda esperada. Não se pode ameaçá-la, com o banco central acenando que "a economia já está batendo em seu teto, dado pelo produto potencial". Na verdade, ele desconhece qual é exatamente o potencial de crescimento dessa economia.
O custo do crédito é também fundamental. Embora tenha ocorrido uma redução na taxa de juros básica da economia brasileira, ela ainda não atingiu, significativamente, a taxa de juros dos empréstimos em geral. Está próxima do patamar de 50% ao ano, 33% para pessoa jurídica, 63,5% para pessoa física e 150,9% para cheque especial!
O "spread" bancário tem caído em ritmo insuficiente, para estimular os empréstimos. Mas, como a tendência é os juros no presente serem maiores do que os juros no futuro, os bancos começam a alongar os prazos dos empréstimos. Obtendo prazos mais longos para pagar as dívidas, as empresas administram melhor seus fluxos de caixa.
As exigências de capitalização dos bancos não são o principal empecilho para uma maior expansão das operações de empréstimos. Com o patrimônio que dispõem, atualmente, os bancos como um todo poderiam emprestar até R$ 1 trilhão sem desobedecer ao limite exigido pelo Banco Central do Brasil de manter patrimônio líquido mínimo de 11% dos ativos ponderados pelo risco. No entanto o volume total das operações de crédito do sistema financeiro nacional é menor que um terço desse valor.
Por que acontece essa baixa alavancagem financeira? O grau de alavancagem expressa a medida pela qual o endividamento financia operações ativas das empresas, elevando a taxa de retorno sobre o capital próprio. Ela é positiva quando o uso de capital de terceiros impõe custos inferiores ao rendimento obtido com seu uso. O custo ainda elevado face à renda esperada inibe a própria demanda do crédito.
Uma razão apontada para a manutenção de "spread" elevado e, consequentemente, de altas taxas de juros para os tomadores de empréstimos é a própria "fidelização" do cliente. Cada grande "banco universal" geralmente exige o papel de "parceiro fiel" de pessoas físicas e de empresas de pequeno porte. Esses clientes não têm nem cadastro nem receita suficientes para operar com mais de um banco. Nas operações de desconto de duplicata, os bancos costumam exigir garantias reais (via entrega desses títulos) equivalentes a 120% do valor do crédito. Limitam seus empréstimos a 10% do patrimônio líquido do cliente, para evitar exposição ao risco de endividamento crescente. Além disso, os juros são cobrados no momento da liberação dos recursos, isto é, de cara o devedor recebe um capital de giro líquido menor do que o contratado, nominalmente. A taxa de juros efetiva então se eleva, isso sem contar o impacto do IOF e CPMF.
Outras "reciprocidades" comumente exigidas pelo banco para conceder empréstimos são o saldo médio em depósitos à vista, a prática da venda casada com a aquisição de outro produto financeiro, um tempo de relacionamento a contar da abertura da conta corrente etc.
Nesse caso de relacionamento bancário, a fidelidade é uma virtude particular dos que estão sendo traídos...


Fernando Nogueira da Costa, 49, professor associado do Instituto de Economia da Unicamp, é coordenador da área de economia da Fapesp. É autor dos livros "Economia em 10 Lições" e "Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem Pluralista".

E-mail -
fercos@eco.unicamp.br



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