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OPINIÃO ECONÔMICA
Estado do crédito
FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA
O estado do crédito representa as expectativas dos
credores em relação aos negócios
de seus clientes. Os balanços dos
bancos, recém-publicados, revelam que houve um expressivo
crescimento de suas operações de
crédito, durante o ano passado.
No entanto o tradicional indicador entre o crédito total e o PIB
manteve-se em patamar pouco
inferior a 29%, dois pontos percentuais abaixo do atingido há
quatro anos. Em outros países,
como o Chile e os EUA, atinge o
dobro. No Japão, o saldo dos empréstimos supera o PIB, assim como em alguns países europeus.
Determinismo histórico-cultural? A cultura do regime de alta inflação não foi ultrapassada? A memória inflacionária não mais justifica a fuga do crédito indexado
em razão de uma taxa de inflação
imprevisível.
Determinismo geográfico? Nessa "terra abençoada", as companhias lucram mais e devem menos do que as instaladas alhures.
Isso apesar de abandonarem o velho hábito inflacionário de remarcar preços sempre com uma superestimativa da taxa de inflação
futura como margem de proteção. Era a forma de reter lucros
suficientes para o autofinanciamento. Hoje, o lucro das companhias no Brasil tem aumentado
num ritmo superior ao da receita.
Redução dos custos fixos, elevação da eficiência e ganhos de escala são apontados pelos empresários como as causas fundamentais. Automação, corte de custo
com mão-de-obra e aumento da
produtividade estão nelas embutidos.
Determinismo financeiro? A
bandeira de luta pela reforma financeira está anacrônica. O problema da realização de empréstimos no país não é, como os reformistas acham, de racionamento
da quantidade ofertada. Não basta "criar as condições institucionais" para o crédito surgir. Se não
houver demandante, não haverá
o "milagre da multiplicação". O
multiplicador monetário opera
por meio de várias rodadas de
empréstimos-depósitos-empréstimos, dentro do sistema bancário. Um banco não é auto-suficiente. Isoladamente, sem contar
com clientes devedores e depositantes, não pode criar moeda de
crédito.
As condições adequadas para
uma operação de tomada de empréstimo exigem, em primeiro lugar, uma expectativa otimista a
respeito do horizonte de crescimento da economia. A decisão de
empréstimo depende do risco do
tomador quanto à confirmação
da renda esperada. Não se pode
ameaçá-la, com o banco central
acenando que "a economia já está
batendo em seu teto, dado pelo
produto potencial". Na verdade,
ele desconhece qual é exatamente
o potencial de crescimento dessa
economia.
O custo do crédito é também
fundamental. Embora tenha
ocorrido uma redução na taxa de
juros básica da economia brasileira, ela ainda não atingiu, significativamente, a taxa de juros dos empréstimos em geral. Está próxima
do patamar de 50% ao ano, 33%
para pessoa jurídica, 63,5% para
pessoa física e 150,9% para cheque especial!
O "spread" bancário tem caído
em ritmo insuficiente, para estimular os empréstimos. Mas, como a tendência é os juros no presente serem maiores do que os juros no futuro, os bancos começam a alongar os prazos dos empréstimos. Obtendo prazos mais
longos para pagar as dívidas, as
empresas administram melhor
seus fluxos de caixa.
As exigências de capitalização
dos bancos não são o principal
empecilho para uma maior expansão das operações de empréstimos. Com o patrimônio que dispõem, atualmente, os bancos como um todo poderiam emprestar
até R$ 1 trilhão sem desobedecer
ao limite exigido pelo Banco Central do Brasil de manter patrimônio líquido mínimo de 11% dos
ativos ponderados pelo risco. No
entanto o volume total das operações de crédito do sistema financeiro nacional é menor que um
terço desse valor.
Por que acontece essa baixa alavancagem financeira? O grau de
alavancagem expressa a medida
pela qual o endividamento financia operações ativas das empresas, elevando a taxa de retorno sobre o capital próprio. Ela é positiva quando o uso de capital de terceiros impõe custos inferiores ao
rendimento obtido com seu uso.
O custo ainda elevado face à renda esperada inibe a própria demanda do crédito.
Uma razão apontada para a manutenção de "spread" elevado e,
consequentemente, de altas taxas
de juros para os tomadores de
empréstimos é a própria "fidelização" do cliente. Cada grande
"banco universal" geralmente
exige o papel de "parceiro fiel" de
pessoas físicas e de empresas de
pequeno porte. Esses clientes não
têm nem cadastro nem receita suficientes para operar com mais de
um banco. Nas operações de desconto de duplicata, os bancos costumam exigir garantias reais (via
entrega desses títulos) equivalentes a 120% do valor do crédito. Limitam seus empréstimos a 10%
do patrimônio líquido do cliente,
para evitar exposição ao risco de
endividamento crescente. Além
disso, os juros são cobrados no
momento da liberação dos recursos, isto é, de cara o devedor recebe um capital de giro líquido menor do que o contratado, nominalmente. A taxa de juros efetiva
então se eleva, isso sem contar o
impacto do IOF e CPMF.
Outras "reciprocidades" comumente exigidas pelo banco para
conceder empréstimos são o saldo médio em depósitos à vista, a
prática da venda casada com a
aquisição de outro produto financeiro, um tempo de relacionamento a contar da abertura da
conta corrente etc.
Nesse caso de relacionamento
bancário, a fidelidade é uma virtude particular dos que estão sendo traídos...
Fernando Nogueira da Costa, 49, professor associado do Instituto de Economia da Unicamp, é coordenador da área
de economia da Fapesp. É autor dos livros "Economia em 10 Lições" e "Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem Pluralista".
E-mail -
fercos@eco.unicamp.br
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