São Paulo, domingo, 05 de janeiro de 2003 |
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+ Livros Ensaio aborda as disputas travadas entre intelectuais uspianos e concretistas O partido das coisas
Evando Nascimento
O livro de Leda Tenório da Motta "Sobre a Crítica Literária Brasileira no Último Meio Século", lançado há pouco pela Imago, é um ótimo exercício de metacrítica, ou seja, de reflexão crítica sobre o trabalho de críticos literários. Com recurso a ampla erudição, a ensaísta reavalia a recepção das obras em seus lances teóricos e práticos, explorando inclusive as polêmicas entre escritores e críticos, bem como as dos críticos entre si, cujo caso paradigmático ocorre em São Paulo.
Será que, após meio século de contendas, não há distanciamento histórico suficiente para concluir que estética e sociedade jamais devem se excluir, desde que se tome a primeira em seu valor mais radical e etimológico: aquilo que se relaciona aos sentidos e às sensações? Retirando da antiga palavra estética o valor que a tradição lhe impôs, de culto ideal do belo, pode-se instrumentalizá-la para dar conta de uma ressensibilização geral dos sentidos, não colocando os sujeitos em êxtase paralisante, mas levando-os a refletir sobre o estatuto mesmo da obra que fruem, em articulação com o contexto cultural. Abre-se assim a possibilidade de um outro sublime, irredutível à pura transcendência. Correntes complementares Não acredito mesmo que, bem observadas, as duas correntes tenham-se entrincheirado numa atitude exclusiva. As questões estéticas em Haroldo e Augusto de Campos, por exemplo, foram objeto de reflexão sensível e, em última instância, cultural em relação à contemporaneidade. Em contrapartida, a abordagem sociológica, como Candido fez questão de ressaltar muitas vezes, não deve significar o predomínio do social sobre a obra, ao contrário, tudo parte do texto literário para em seguida dialogar com o entorno. Isso não impede, é claro, que se possa discordar eventualmente de uma ou outra idéia desses autores. Quem se localiza em outras regiões do país, Rio de Janeiro, Bahia, Minas e demais Estados, pode apreciar com isenção essas produções críticas, as quais deram grandes contribuições aos estudos de literatura e de cultura em geral. Além disso, deve-se assinalar que outros críticos não se alinham em princípio a nenhum dos partidos, tais como Luiz Costa Lima, João Alexandre Barbosa, Leyla Perrone-Moisés e Benedito Nunes. Leitura plural O melhor exemplo de ultrapassagem de conflitos está no belo capítulo final, em que a autora exercita diretamente a arte da crítica, lendo com acuidade o último livro de poesia de Haroldo de Campos, "A Máquina do Mundo Repensada" (ed. Ateliê). Com rigor e sensibilidade, ela expõe o modo como Haroldo combina perfeitamente no volume as conquistas da vanguarda com o metro clássico, inspirado em Dante e na epopéia camoniana. A leitura crítica pontua referências convergentes, citadas ou não pela obra (Homero, Virgílio, Montaigne, Baudelaire, Flaubert, Mallarmé, Valéry, Schwob, Jarry, Artaud, Borges, dentre outros), no sentido de expor a cosmogonia poética de Haroldo de Campos, em conexão com as pesquisas da astrofísica e com a máquina do mundo drummondiana. Fica assim demonstrado que, na crítica como na arte, o segredo está em não se fixar numa posição única, explorando-se sem parti pris os elementos do repertório disponível, mas também inventando-se outros. Evando Nascimento é professor de teoria da literatura e autor de "Ângulos - Literatura & Outras Artes" (Ed. da Universidade Federal de Juiz de Fora/ Ed. Argos) e "Derrida e a Literatura" (EdUFF). Texto Anterior: ...continuação Próximo Texto: Lançamentos Índice |
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