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Risco de guerra civil existe, afirma estudioso da Primavera Árabe

ELEONORA DE LUCENA DE SÃO PAULO

O risco de guerra civil existe no Egito, mas o mais provável é que ocorra uma negociação mediada pelos EUA entre a Irmandade Muçulmana e as Forças Armadas.

A avaliação é do sociólogo Gilbert Achcar, professor da Universidade de Londres, que acaba de lançar um livro sobre a Primavera Árabe.

Para ele, a continuidade das políticas neoliberais explica a atual explosão social.

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Folha -- O que acontece no Egito?
Gilbert Achcar -- É um golpe como o que derrubou Hosni Mubarak em 2011. Nos dois casos, foram os militares que tomaram a iniciativa de derrubar o presidente existente, no contexto de uma enorme mobilização de massas.
Em 2011, era Mubarak, e a Irmandade Muçulmana estava nas ruas com o restante da oposição. Hoje, a Irmandade Muçulmana está no poder e aqueles que lamentam a queda do antigo regime também estão nas ruas com o restante da oposição, a esquerda etc. É o mesmo cenário, mas os atores trocaram de papel.

O que deu errado no Egito?
Muitas coisas. A Irmandade Muçulmana falhou terrivelmente no seu teste de governo. Falhou em atacar a situação econômica e social, porque deu continuidade às mesmas políticas sociais e econômicas do regime anterior. Essas políticas neoliberais não podiam trazer soluções para o país. Ao contrário, agravaram problemas.
A Irmandade Muçulmana é fundamentalista islâmica. O FMI é fundamentalista neoliberal. Eles empurram medidas neoliberais que levaram a um desastre.

É um fracasso do Estado muçulmano?
É um fracasso da Irmandade Muçulmana. Até agora, ela está se recusando a aceitar o golpe. Ela tem dois caminhos: conflito ou negociação. Duvido que opte pelo confronto. Isso porque eles são basicamente um partido conservador, com muita classe média e muitos homens de negócios em sua liderança.
Não creio que eles se encaminhem para uma aventura de confronto com as Forças Armadas.
Isso seria suicídio. O mais provável é que se encaminhem para uma posição de barganha.

Qual o papel dos EUA?
Muitas pessoas acreditam que os EUA são como um Deus que puxa todos os cordões em todos os lugares. Isso é loucura. Dizer que a Primavera Árabe é uma conspiração de Washington é loucura.
Washington está no ponto mais fraco de sua influência na região, principalmente devido ao desastre no Iraque. Com as revoltas, os EUA perderam alguns de seus aliados mais importantes, como Mubarak. Eles estão numa situação muito difícil. Ao mesmo tempo, as Forças Armadas no Egito são o aliado mais próximo e estratégico de Washington. Por isso, os EUA vão ser provavelmente os mediadores. Eles têm ligações orgânicas com as Forças Armadas, o que não é o caso com a Irmandade.

As Forças Armadas são a instituição mais importante no Egito?
Sim. Partidos nunca foram importantes. A espinha dorsal do Estado são as Forças Armadas. Isso acontece desde os anos 1950. Os militares têm o principal papel no Estado e na economia, onde controlam quase um terço da economia egípcia. São donas de várias indústrias, em setores também civis, como turismo, alimentação etc. Têm dirigido o país direta ou indiretamente.

Há falta de partidos, organizações e instituições que direcionem essa enorme energia para tomar o poder?
Exatamente. Os progressistas e a esquerda são muito fracos. A única força política importante organizada é a Irmandade Muçulmana.
Os progressistas não são suficientemente radicais para tomar o risco de liderar o movimento de massas para uma tomada popular do regime. Por isso dependem das Forças Armadas para alguma coisa acontecer.

O que vai acontecer no Egito?
O futuro imediato depende da posição da Irmandade Muçulmana. Ou encontram um acordo ou, no pior cenário, poderia haver uma situação tipo argelina --quando os militares, em 1992, interromperam o processo eleitoral e houve uma guerra civil.
Esse é o risco no Egito. Mas não acredito que a Irmandade fará essa escolha. O próximo capítulo se dará em torno de uma coalizão política. Mas ela não terá condições de atacar a situação social e econômica enquanto continuar seguindo as políticas neoliberais. Ainda haverá muitos e muitos anos de instabilidade.


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