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CUBA
Obra de argentino analisa o trabalho de jornalistas cubanos independentes
Livro disseca adversários de Fidel
ELAINE COTTA
DE BUENOS AIRES
Perseguidos pelo regime do ditador Fidel Castro, os dissidentes
cubanos condenados à prisão em
abril são ex-revolucionários que
deixaram de apoiá-lo quando
perceberam que o conteúdo de
revolução do regime se perdeu e o
que sobrou é somente uma ditadura.
A constatação é do jornalista e
professor argentino Fernando
Ruiz, que lançou, na última segunda, em Buenos Aires, o livro
"Otra Grieta en la Pared" (outra
rachadura na parede), no qual
analisa o trabalho da imprensa
não-oficial do país.
Cientista político e doutor em
Comunicação Pública pela Universidade de Navarra, Ruiz, 40, é
autor de outros dois livros em que
analisa a relação da imprensa com
governos ditatoriais. Começou
estudando o próprio país, a Argentina, que entre 1976 e 1983 viveu uma das ditaduras mais violentas da América Latina.
No ano passado, viajou a Cuba
para fazer o mesmo. "Cuba parecia um caso real, longe da teoria",
diz. Ficou sete meses no país, até
fevereiro deste ano. Ouviu jornalistas independentes -muitos
dos que foram detidos pelo governo cubano em março-, foi preso
e em seguida deportado à Argentina, sem direito a despedir-se de
ninguém. Em entrevista à Folha,
falou sobre o livro, Cuba e a situação da imprensa do país.
Folha - Qual foi o objetivo de sua
pesquisa em Cuba?
Fernando Ruiz - O interesse foi a
vida privada e profissional dos
jornalistas independentes. No caso cubano, não há nada mais para
se agregar no debate político e
econômico. O que falta é olhar a
realidade, como está a vida das
pessoas, falar sobre a liberdade
concreta dos cidadãos.
Folha - E como é a vida desses dissidentes do regime?
Ruiz - A maioria foi revolucionária e percebeu que, em algum momento, o regime perdeu esse seu
conteúdo de revolução e virou somente uma ditadura. Essas pessoas não estavam mais dispostas a
apoiar um projeto que acabou
sendo perverso. E é preciso ter
muita coragem para romper, admitir que dedicou parte da vida a
um ideal fracassado. O regime cubano não tem mais conteúdo social nem revolucionário. É uma
ditadura personalista.
Folha - Como é o dia-a-dia?
Ruiz - A situação de dissidente
implica romper com o Estado.
Por isso, a maioria não tem trabalho. Muitos sobrevivem dos dólares enviados por parentes no exterior. Outros escrevem para veículos estrangeiros. Os jornais independentes são feitos artesanalmente: páginas datilografadas em
papel sulfite e fotocopiadas na sede de embaixadas estrangeiras.
Folha - O sr. tentou ouvir o outro
lado, os jornalistas oficiais?
Ruiz Minha pesquisa tinha três
fases: ouvir os dissidentes de Havana e do interior e jornalistas da
imprensa oficial. Mas não concluí
essa fase. Fui preso antes.
Folha - E na prisão, como foi?
Ruiz - Passei por um interrogatório, mas não posso dizer que tenha sido violento. Fiquei dois dias
incomunicável até que começaram protestos em Buenos Aires,
pessoas dizendo que eu tinha desaparecido. Então decidiram me
liberar. Saí da prisão direto para o
aeroporto. Confiscaram tudo:
blocos, jornais, gravações. Só liberaram exemplares do jornal oficial.
Folha - Fidel Castro ainda é admirado?
Ruiz - Não discuto a saúde e a
educação cubanas. Fidel representa um símbolo importante para várias gerações políticas. A revolução, na sua essência, tinha
muito do que se orgulhar. O problema é que as pessoas não conseguem, não querem ou têm medo
de enxergar que hoje Cuba é a
ideologia de uma ditadura. A privação de liberdade não pode ser
justificativa para um ideal.
Folha - Cuba sempre foi um país
muito rico culturalmente...
Ruiz - A criatividade está reprimida. Cuba vive um empobrecimento cultural muito triste. Há
uma história de expulsão da criatividade. A desocupação é imensa. Pessoas o tempo todo na rua,
sentadas diante de casa por todo o
dia. Não duvido que, em Cuba, há
fome. Creio que sim. Mas, se o governo manipula os dados, quem
vai saber qual é a verdade?
Folha - E isso vai até quando?
Ruiz - No dia em que Fidel morrer, creio, será muito difícil que o
regime se perpetue. Mas Fidel ainda pode viver 20 anos, tempo suficiente para que muitos dos jornalistas que foram presos no início
deste ano cumpram suas penas.
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