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TENDÊNCIAS MUNDIAIS - Inteligência/Pola Oloixarac

Um novo cenário

O romance "The Wild Theories" [As teorias selvagens], de Pola Oloixarac, foi traduzido para o francês, holandês, italiano, finlandês e português; ela escreve no blog melpomenemag.blogspot.com

Enquanto os líderes na Europa e nos Estados Unidos lutam com os efeitos da crise econômica e a insatisfação pública com o governo, a presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, conseguiu 55% dos votos para servir como presidente por mais quatro anos. Ela é uma das líderes mais populares da América do Sul e a primeira mulher eleita presidente da Argentina.

No vizinho Chile, o presidente Sebastián Piñera enfrenta protestos estudantis generalizados e perdeu o apoio que tinha depois que os 33 mineiros chilenos foram resgatados no ano passado. Pesquisas recentes mostram que hoje apenas 26% aprovam seu governo. Evo Morales, o presidente da Bolívia, está lidando com uma população indígena inquieta que ajudou a colocá-lo no poder mas agora se ergue contra a crescente influência do Brasil.

Enquanto isso, o segundo mandato de Kirchner nunca foi posto em dúvida. Seu tipo de populismo, o apoio ao casamento gay e a ampla contratação de funcionários públicos mostraram-se irresistíveis para muitos argentinos.

Sua popularidade pode ser atribuída em parte aos tempos melhores na Argentina, cuja economia cresceu durante nove anos consecutivos, com índices que só perdem para o Peru na região. Mas, dez anos depois da moratória da dívida que derrubou a economia argentina, a persistente mística dos Kirchner vai além da maré de estabilidade e da afluência geral, abastecida pelo alto preço das matérias-primas, que coincidiu com seu período no governo argentino.

Néstor Kirchner foi eleito presidente da Argentina em maio de 2003, e Cristina o seguiu vencendo a eleição presidencial em outubro de 2007. Os Kirchner encontraram uma maneira de atualizar a iconografia do casal poderoso do general Juan Domingo Perón e Eva Perón nos anos 1940. Os Kirchner, cercados pelas cores nacionais, acenaram juntos do balcão da Casa Rosada para as massas reunidas, evocando imagens dos Perón.

O primeiro mandato de Cristina foi tumultuado e cheio de drama. Como Lindsay Lohan ou Britney Spears, Cristina também tendia a seduzir os fãs e irritar os adversários. Ela se revelou forte mas humana, decidida mas emotiva, como uma atriz convincente representaria o ideal da líder latina. Evita havia deixado sua bem-sucedida carreira nos palcos e no cinema para servir como política ao lado de seu marido. Cristina assumiu a presidência como seu palco pessoal. Ela sempre esteve no centro da ação. Gostava de suspense: para decepção de seus seguidores, do público e dos críticos, mantinha o script em segredo até o último minuto.

Enquanto Cristina continuou o estilo de governo prepotente de seu marido, foi criticada por ser autoritária demais, teimosa demais. Em uma sociedade sexista, mas amplamente matriarcal, os argentinos repudiaram esse comportamento, mas ao mesmo tempo pareciam admirá-la por isso. Muitos sentiam nas entranhas que a indecisão do governo foi em parte culpada pela crise de 2001.

O partido peronista sempre prosperou com a manipulação da mídia. Perón havia chorado sua esposa Evita, atacada pelo câncer, que foi imensamente popular e igualmente criticada. Quando Néstor Kirchner morreu, no ano passado, Cristina reverteu os papéis. Ela mudou de estilo, aparecendo em vestidos pretos muito dignos, com os cabelos cuidadosamente penteados, cílios espessos e maquiagem com olhos esfumados. Sua voz muitas vezes falhava em público quando se referia ao falecido esposo. Como a viúva nacional, ela encontrou o papel que melhor lhe cabia na peça: a mulher solitária no poder, a vestal da nação.

Mas essa nova Evita não estava apelando às classes trabalhadoras como fez Evita em seu tempo. Cristina estava conquistando a classe média, os afetados pela crise de 2001, dizendo o que eles queriam ouvir -que havia uma nova Argentina que seria possível e que incluiria a todos.

É possível que daqui a dez anos um político grego ou italiano que seja tão desconhecido quanto era Cristina em 2001 rivalize sua popularidade? Quem vai ascender e tirar vantagem da crise financeira?

As demonstrações que abalaram a Argentina em 2001, quando o som das panelas enchia o ar das cidades de todo o país, eram mais veementes e espontâneas que o movimento Ocupem Wall Street de hoje, embora eles tenham linhas comuns.

As assembleias argentinas se declaravam antissistema. Elas condenavam a especulação financeira, endossavam a reciclagem e professavam uma fé perdida no sistema capitalista. As reuniões de cidadãos irados, conhecidas como "panelaços", viam os políticos como traidores do Estado, mas não ofereciam alternativas políticas a um sistema que consideravam corrupto. Somente as assembleias não poderiam provocar mudanças; foram precisos políticos tarimbados como os Kirchner para canalizar o descontentamento.

"Acho que nunca vi um governo melhor", disse Carlos Daniel Sturla, 37, um advogado de Buenos Aires. "É como se ela finalmente estivesse construindo o país que todos queríamos."

Nenhum argentino teria dito isso uma década atrás. Existe a possibilidade de que um novo casal poderoso surja e transcenda através da raiva que orienta os protestos ao redor do mundo hoje, inspire os cidadãos e una um país em torno de temas comuns?

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