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Crise da Síria causa tensão na fronteira turca

Milhares já fugiram da violenta Síria para a Turquia

"Há mais soldados turcos aqui desde que os problemas começaram", comentou Abdu. "No entanto, os turcos estão no controle aqui. Nada mudou."

Por LIAM STACK

GORENTAS, Turquia - O refugiado Rostom parou perto do cume desta aldeia montanhosa e olhou pelo binóculo, tentado ver o movimento de tropas sírias do outro lado da fronteira, que fica no fundo do vale abaixo.

Às vezes, há tanques no topo dos morros à distância, segundo ele. As aldeias nos dois lados da fronteira estão fervilhando com rumores de que haveria franco-atiradores sírios aninhados em torres de observação nas encostas, e nos mês passado os moradores daqui viram dois carros -um jipe e um táxi Nissan- queimando perto da cerca fronteiriça.

"Isso é tudo da Síria", disse Rostom, 43, apontando o vale. "E agora é tudo do Exército."

A atual aspereza da fronteira é um choque para a maioria por aqui. Os moradores dizem que a divisão entre Turquia e Síria, demarcada por uma estradinha asfaltada, nunca refletiu a vida no vale: a maioria das árvores genealógicas tem raízes e ramos que avançam em ziguezague pela fronteira, e as sinuosas trilhas montanhosas entre os dois países estão acostumadas a um mercado negro de ovelhas a cigarros.

Quase todos os locais têm dois nomes, um em turco e um em árabe, e muitos são bilíngues.

Mas a tensão na Síria rompeu os laços entre as comunidades dos dois lados, segundo moradores, em parte por causa da fuga de um grande número de moradores do lado sírio, e também por causa da agora massacrante presença das forças de segurança sírias.

A enxurrada de produtos contrabandeados foi reduzida a um fio; famílias estão em polvorosa. Alguns moradores fugiram para cidades Síria adentro, enquanto outros vieram para a Turquia.

"Não há atualmente absolutamente nada por aqui, e todos estão cansados", afirmou Rostom. "O contrabando parou totalmente. As pessoas costumavam contrabandear cabras, vacas e ovelhas para cá, mas como você vai trazer vacas pela fronteira com todas essas forças de segurança?"

Rostom e sua família fugiram em junho da sua casa, em Jisr al Shoughour (norte da Síria), por causa da repressão governamental à rebelião contra quatro décadas de governo da família do presidente Bashar Assad. Autoridades turcas dizem que 7.660 pessoas estão alojadas em acampamentos do Crescente Vermelho turco.

Há cinco meses, Rostom, sua mulher e os cinco filhos vivem em uma casa de três quartos pertencente a um primo turco, que mora na capital provincial. Seus pais e a irmã moram ainda mais para cima do morro.

Todos os dias, ele espia pelo binóculo o movimento militar no seu país, e se reúne com amigos para tomar café, fumar cigarros e trocar notícias e novidades.

Eles falam sobre os rumores da rebelião na Síria. Temem que seus filhos não tenham escola. "Dependemos uns dos outros", disse Rostom. "A vida anda dura para todo mundo na fronteira."

Recentemente, ele assistiu a um violento vídeo que lhe foi entregue num pen-drive por outro refugiado, Nouri Abdel Sofaan.

No vídeo, homens seminus são agredidos por outros que usam uniformes pretos e brandem porretes e chicotes. A cena foi gravada numa prisão de Latakia, no litoral sírio, segundo lhes disseram.

Sofaan ficou sentado em silêncio. Em setembro, seu sobrinho Alaa, 23, foi baleado e morto no vale, contou ele. Em junho, quando as forças do governo chegaram, Alaa estava visitando parentes em Khirbet al Jouz.

Ele fugiu com a família de Sofaan, mas logo se cansou da vida no campo de refugiados, e cruzou a fronteira para voltar a Khirbet al Jouz. Havia caminhado apenas 45 metros em território sírio quando foi alvejado por um franco-atirador, e seu corpo passou semanas caído na grama, segundo Sofaan.

Abaixo de Gorentas fica aldeia de Guvecci, mais perto ainda da fronteira, à sombra de um imponente complexo militar turco no alto de um morro. As encostas em torno da cidadezinha são recobertas por olivais.

Seus vínculos com as aldeias sírias próximas foram rompidos, disse Ammar Abu Abdu, porque simplesmente não havia restado ninguém com quem se vincular.

"Não há mais ninguém morando no vale", disse ele sobre uma laje, apontando as moradias abandonadas. "Todos que estavam lá vieram para a Turquia. Meus parentes na Síria saíram todos."

Enquanto ele falava, vozes sincopadas eram ouvidas à distância. Ele e outras pessoas na laje se voltaram para o morro, onde uma coluna de soldados turcos entoava cadências militares enquanto dava voltas no quartel cercado.

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