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New York Times

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Resenha/Cathy Horyn

Senso de ameaça e ternos

Quanto mais penso sobre o desfile de moda masculina que Miuccia Prada realizou em junho em Milão, mais concluo que ele combinou perfeitamente exatidão e crueldade.

O desfile de Prada trazia ternos de seda com estampas tropicais, usados por modelos masculinos e femininos, diante de um cenário de folhagem de selva agitado pelo rotor de um helicóptero. Os clichês de perigo, ou até quem sabe de morte, estavam presentes em toda parte: a paisagem exótica, os jovens inocentes e a indicação de um ataque.

A ideia dela era questionar o conceito de paraíso e mostrar que, sob as armações da mídia, a realidade é bastante pessimista. De fato, as pessoas muitas vezes se sentem infelizes e desconectadas das tradições. Por isso, os modelos nunca percorriam a passarela em duplas.

Mesmo assim, a audiência continua se apegando a clichês que lhe são próprios, baseados em artefatos culturais obsoletos, como o Havaí anterior à Segunda Guerra Mundial. Não é como se as roupas tivessem muito que as distinguisse. Na verdade, um terno risca de giz dos anos 1940 -como qualquer outro terno hoje- pode ser seguramente qualificado como obsoleto.

Alguns de nós se apressaram a cumprimentá-la, dizendo: "Nostalgia. Romance".

"Romance?", perguntou Prada, franzindo a testa. "Não. É um clima de ameaça."

Prada já tinha declarado sua admiração pelo trabalho do escritor Michel Houllebecq, cujo romance, "Plataforma", tem por cenário a indústria do turismo sexual na Tailândia. É bastante provável que o trabalho dele tenha influenciado o pensamento de Prada. Muitos críticos consideram que a visão de Houllebecq sobre os seres humanos é sombria, mas o escritor compreende a obsessão deles com produtos e marcas, bem como as questões da juventude e da aspiração e a maré interminável de porcarias que isso produz. Para Prada, deve ser um prazer pensar sobre moda dessa maneira, mas também isso deve levá-la a questionar o papel que exerce na alimentação desse comportamento.

A maioria das demais casas de Milão preferiu não correr riscos. Recorreram ao jargão da nova tecnologia, combinado a termos como "savoir-faire" e "tradição", para alardear toda espécie de roupas esportivas e de uso cotidiano. Isso vale para Salvatore Ferragamo, Neil Barrett e Calvin Klein.

O homem de Jill Sanders parecia ter sido concebido como um turista acidental, com camisa simples de popelina e shorts longos, usados com sapatos de couro e meias pretas. No começo, a coleção dela não me impressionou muito. Não me senti tocada emocionalmente.

Mas isso é defeito meu. Boa parte da nova moda gira em torno de propriedades objetivas, como forma e potencial de cor.

Em outras coleções emergiram esforços para modernizar o terno. A excelência da nova linha de Stefano Pilati para Ermenegildo Zegna se baseava em cores sutis e em uma divisão do terno, com calças em padrão ligeiramente contrastante.

Missoni parecia igualmente renovado, com cores oeste africanas e maravilhosos paletós de lã.

Na Gucci, Frida Giannini se deu bem por duas vezes, com modelos esporte elegantes e uma rica coleção de estampados florais clássicos usados para ternos de verão.

Por fim, quisesse ou não Tomas Maier evocar um look de clube de jazz dos anos 1950 com sua coleção de ternos cinzentos com paletós curtos para a Bottega Veneta, o estilo se destacava pela maturidade.

Mas sejamos honestos: a moda se incomoda com o indivíduo? Busca isolá-lo ainda mais? A resposta é sim. "A coisa que mais valorizamos é a juventude", disse Houllebecq, "o que significa que a vida automaticamente se torna deprimente, porque consiste, no geral, em envelhecer".


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