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OMBUDSMAN
Acertos e erros
BERNARDO AJZENBERG
Os jornais costumam
manter em arquivo específico material sobre celebridades
ou personagens importantes, em
especial daquelas que, mesmo
gozando de boa saúde, já se encontram em idade avançada,
para poder editá-lo rapidamente em caso de morte. A Folha,
por exemplo, possui um banco
de dados regularmente alimentado para tanto. E assim foi feito
no caso de Roberto Marinho.
Apesar disso, na cobertura de
sua morte, quarta-feira à noite,
o jornal, se soube acertar no atacado, apresentou no varejo traços que exigem reflexão.
Há uma bizarra tradição, no
país, de glorificar mortos ilustres,
apagar possíveis divergências ou
rivalidades, ressaltar os aspectos
positivos e camuflar eventuais
dados biográficos nem sempre
elogiáveis; enfim, beatificá-los.
A Folha, corretamente, não
adotou esse procedimento -em
boa parte dos casos, hipócrita.
É verdade que, quinta-feira,
foi o jornal que mais páginas
(três, na edição SP) dedicou ao
fato, superando o próprio "O
Globo" (este deu duas e deixou
para sexta a edição de um alentado caderno com 28 páginas).
Além disso, chamou para o
ocorrido no alto de sua Primeira
Página, enquanto o "Estado de
S.Paulo", quase lacônico, deu
apenas uma página interna e
destaque bem inferior na capa.
Mas a generosidade da Folha
não se refletiu no conteúdo. Ao
contrário: o tom do noticiário,
nesse primeiro dia, foi ostensivamente crítico, o mais crítico dentre os principais jornais do país.
E aqui, acredito, houve até mesmo algum desequilíbrio.
Numa biografia de página inteira com fatos pessoais e histórico empresarial e político de Marinho, por exemplo, o jornal
omitiu facetas que costuma
aplaudir no caso de outros atores, como a existência da Fundação Roberto Marinho e suas atividades no chamado Terceiro
Setor ou as campanhas de "integração" da Rede Globo.
Em outra página, nenhuma
das frases pinçadas do arquivo
para ilustrar idéias do empresário tinha caráter positivo; todas,
de certa forma, o desabonavam.
Nessa mesma edição, embora
houvesse uma reportagem específica (superficial, registre-se) sobre a atual situação econômica
das Organizações Globo, o jornal
fez questão de incluir, no texto
principal sobre a morte, uma
frase, ali, destoante, dispensável:
"A morte do empresário ocorre
no momento em que as (suas)
empresas vivem sua maior crise
financeira".
Como se fosse para "compensar" esses desvios, incluíram-se o
artigo de um colunista com tom
elogioso, além das tão inúmeras
quanto superficiais e esperadas
declarações laudatórias de empresários, políticos etc.
Melhor tudo isso, sem dúvida,
do que uma opção editorial militante em favor de um lado ou de
outro. Desconfio, no entanto, do
resultado desse jogo editorial de
compensações. Pois ele, normalmente, embute, na prática, a
omissão de dados ou fatos e/ou
expõe um esforço, às vezes pueril, de "marcar posição" a toda
hora, a qualquer custo.
Em termos jornalísticos, o
ideal seria a busca (mais difícil)
de uma imparcialidade orgânica, intrínseca, presente em cada
elemento da edição. Ou seja:
uma biografia equilibrada; frases "boas" e frases "ruins"; a divulgação de pontos de vista menos panegiricais ao lado do ôba-oba oportunista.
Cabem, ainda, outras ressalvas à cobertura da Folha.
Somente no segundo dia (sexta-feira), o jornal publicou um
texto aprofundado (com teor crítico) sobre o histórico empresarial de Marinho, mostrando as
dimensões, o alcance, o peso e o
poder de seu grupo -elementos
que só então, aliás, sustentavam
o amplo espaço a ele dedicado
no dia anterior.
Fizeram falta também, ao menos até a edição de ontem, algumas iniciativas jornalísticas
úteis para compreender a personalidade que morreu, sua carga
simbólica, sua importância:
análise do impacto social e cultural da Rede Globo, notícia de
como a morte repercutiu no exterior, depoimentos ou revelações inéditas e exclusivas de caráter pessoal ou público sobre a
vida do empresário.
Claro que a cobertura da morte de alguém como Roberto Marinho não se esgota em um ou
dois dias. Desdobra-se. Repercute na mídia nacional e internacional. Mas os aspectos positivos
e negativos do seu primeiríssimo
momento, como procurei destacar aqui, dizem muito sobre os
seus autores.
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