São Paulo, domingo, 05 de janeiro de 2003

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REAL SEM ESTEIO

Desde o colapso da âncora cambial, em janeiro de 1999, a moeda brasileira procura outro apoio para estabilizar-se.
Sem âncora, o real perde valor de crise em crise e depende do FMI para evitar o rompimento dos contratos ou a centralização cambial.
Passaram-se nada menos que quatro anos. As metas inflacionárias foram sendo frustradas. A relativa calmaria atual resulta sobretudo de fatores negativos. Não houve pacote ou quebra de contratos. Não se abandonou a política de juros altos que contém o crescimento e sustenta o câmbio com recessão e contenção de importações -que produz megassuperávits no comércio exterior.
Segundo o discurso que predominou na era FHC e que parece mantido na gestão Lula, reformas nas áreas fiscal e previdenciária desatariam os nós financeiros mais sérios. Seria restaurada a credibilidade dos títulos públicos (baixando os juros domésticos) e reduzido o risco-país (o que reduziria os custos de captação nos mercados internacionais).
Não por acaso essa visão foi identificada à ideologia ultraliberal. Ela coloca na reforma do Estado (pela via da redução de direitos sociais, da privatização e da redistribuição do bolo tributário) a alavanca do desenvolvimento. O Estado poderia então liberar poupança para o investimento privado. Haveria crescimento sem financiamento inflacionário.
Ao mesmo tempo, aos poucos insinua-se nas novas hostes governistas uma outra visão, que coloca na estrutura da economia e na dependência externa os dois principais elementos cuja reforma é condição para a retomada do crescimento econômico sem pressões inflacionárias.
Uma visão coloca a ênfase no ajuste fiscal e na estabilidade da moeda como condições para a formação de poupança doméstica. A outra dá prioridade às estratégias de substituição de importações, promoção de exportações e outras políticas estratégicas de reorganização do sistema produtivo (por exemplo, dando prioridade a setores produtores de bens de consumo não-duráveis, capazes de ampliar o acesso da população ao emprego e ao consumo).
Talvez as duas visões sejam afinal compatíveis entre si. Tanto a reforma do Estado quanto a reestruturação produtiva ficaram incompletas na era FHC, quando não sofreram retrocessos motivados pela aposta na globalização financeira.
A articulação entre as agendas monetarista e desenvolvimentista permanece como o desafio maior da política econômica brasileira.
Manter saldos comerciais expressivos por meio da contenção do crescimento, que depende de juros altos, é remendo de curto prazo. Continua em aberto o problema do financiamento não-inflacionário do crescimento. A estabilidade atual é ilusória, pois ela se dá sem financiamento sustentável e, portanto, é incompatível com o desenvolvimento econômico (haja vista a queda no investimento no ano passado).
Enquanto o novo modelo for incerto, o discurso de adesão ao expediente atual pode até ser inevitável, mas é insuficiente para recuperar a credibilidade perdida. O país continua à mercê de uma moeda que sobrevive a muito custo e sem âncora.



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