São Paulo, domingo, 05 de janeiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PARADOXO DO ABORTO

Animados pela conquista da maioria no Senado norte-americano, alguns republicanos antiabortistas pretendem aprovar na próxima legislatura uma série de restrições ao direito ao aborto.
O pacote, que começa com a proibição de um procedimento médico que eles chamam de "aborto com nascimento parcial", também inclui tornar crime o ato de levar uma menor para abortar em outro Estado, a fim de evitar que seus pais sejam notificados da gravidez, e a criação do delito de lesões ao feto, a ser aplicada a pessoas que ataquem uma mulher grávida. Os antiabortistas também pretendem que hospitais e clínicas possam recusar-se a fazer abortos sem temer sanções como a perda de subsídios públicos.
Outra medida que deve entrar na agenda republicana é a proibição de pesquisas com células-tronco embrionárias, cuja obtenção implica a destruição de embriões humanos. Algumas dessas iniciativas já foram aprovadas pela Câmara, que também é controlada por republicanos.
A idéia de proibir o "aborto com nascimento parcial", mais adequadamente chamado pelo nome médico de aborto por ECI (esvaziamento craniano intra-uterino), torna-se curiosa no contraste com o Brasil. Essa técnica é quase exclusivamente utilizada para interromper a gravidez avançada e que represente risco para a vida da mãe, um dos dois únicos casos em que o aborto é autorizado pela restritiva lei brasileira (o outro é a gravidez resultante de estupro).
A descrição da técnica de aborto por ECI é de fato repulsiva, mas não faz sentido restringir o arsenal médico com base em sensações de aversão. As descrições de muitas técnicas cirúrgicas também parecerão repugnantes ao leigo.
A questão não é diferente com o aborto por ECI. Suas indicações mais comuns são: morte do feto, risco de morte para a mãe, risco para a saúde da mãe e más-formações fetais que inviabilizem a vida extra-uterina. Em casos como esses, o aborto por ECI não é a única opção do médico, mas pode ser a mais segura. A alternativa geralmente passa por uma histerotomia (incisão no útero para a retirada do feto), que é uma cirurgia de médio porte, com todos os riscos correspondentes.
É estranho que os EUA, onde o aborto é considerado um direito constitucional da mulher, cogitem aprovar uma lei que é mais restritiva do que a antiquada legislação brasileira. É claro que uma lei como essa acabaria levada à Suprema Corte. Embora seja esse o tribunal que definiu, 30 anos atrás, o aborto como um direito constitucional, muitos analistas acreditam que, com a atual composição conservadora da corte, a situação possa vir a ser revertida.
O movimento americano tornou-se possível porque conservadores ganharam espaço no Congresso. O Brasil poderia, num movimento análogo, mas de sentido inverso, aproveitar a eleição de um Parlamento um pouco mais liberal que o anterior para debater e modernizar sua arcaica legislação sobre o aborto.



Texto Anterior: Editoriais: REAL SEM ESTEIO
Próximo Texto: São Paulo - Clóvis Rossi: Além dos caças e da fome
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.