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JOSÉ SARNEY
Estômago de Aço e o mensalão
Quando viajei ao Amapá, na última semana, deu-me uma inesperada, inóspita e insidiosa dor de estômago. Doía danadamente. Na minha idade, convivemos com muitos
achaques que nos são, quase sempre,
conhecidos e freqüentes. É dor aqui,
mal-estar acolá e a todos conhecemos
e já sabemos como proceder: chá de
laranja, tintura de arnica, pomada de
cânfora e por aí vamos. Mas dor de estômago do jeito que veio não estava
entre minhas baldas. Daí, com o meu
declarado e sempre não proclamado
ser hipocondríaco, fiquei logo calado e
pensando o que poderia ser. Há muito
nada sentia nesse órgão. Quando era
moço, em São Luís, tinha um restaurante "Estômago de Aço", que era a
prova de fogo para males da gula. Mas
o estômago mais forte que existiu no
Maranhão foi de um deputado acusado de ter feito uma negociata com arame farpado vindo da antiga Cortina
de Ferro. Os jornais diziam: "Fulano
está comendo arame farpado como
quem come macarrão".
Bem, mas estava falando na minha
dor. Consultei um médico e aventamos hipóteses de úlcera de stress, a
que acrescentei, nessa obsessão de
doença, "em sangramento". Foi-me
recomendada, imediatamente, uma
endoscopia. E só não saí do avião para
o hospital porque ainda não tinha
combinado com o médico. Mas não
demorou e eu estava lá, atemorizado e
querendo levantar diagnóstico com o
meu "caro colega", Aluísio Campos
da Paz, a quem o Brasil muito deve pelo extraordinário trabalho feito na
construção da Rede Sarah de reabilitação ortopédica.
Na radiologia, o anestesista começou a fazer perguntas sobre medicamentos que tomava, há quantas horas
não ingeria alimentos, sintomas e tudo mais. Quando eu vi o rumo que
iam tomando as coisas, de olhos esbugalhados perguntei: "Que anestesia o
senhor vai me dar para o exame?". Ele
tranqüilamente respondeu: "Geral".
"O quê? Anestesia geral? Eu fiz esse
exame outras vezes e não quis tomar
nada. Enfrentei a seco." Disse-me ele:
"Era no passado, hoje temos medicamentos sem nenhum risco e não queremos que o senhor sinta desconforto". Depois de breve negociação ele
aceitou, e eu também, sedar-me.
Acordei e não senti nada, e apenas
tomei conhecimento do mundo
quando a instrumentadora devolveu
meus óculos. Depois, na rotina, a sala
de recuperação. "Não encontramos
nada de mais, tiramos algumas amostras para biopsia e vamos também
pesquisar a presença de Helicobacter
pylori." Foi o que bastou para prolongar minha angústia e passei o resto da
tarde remoendo meus receios e dormindo do resto da anestesia.
Passei o dia portanto sem trabalhar
e a noite ainda cheio de indagações. O
estômago não doía mais e a gente de
casa voltava a censurar-me "dessa
mania de fazer exames". É verdade.
Chego ao exagero. Certa vez, estava
fazendo um check-up num hospital
de São Paulo e esperava na porta do
quarto a vinda do pessoal para o próximo exame. Foi quando passou um
médico. Eu perguntei-lhe: "Qual é
sua especialidade?". Respondeu:
"Dermatologista". "Então", disse-lhe
eu, "entre aqui e veja este sinal que eu
tenho no braço." Assim é demais.
Para jantar, pedi a nossa empregada, a Maria, que há tantos anos vive
conosco, pessoa da casa: "Faça-me
uma papa, comida leve. Estou com
dor no estômago". "O que é?" "Não
sei." Então, ela deu-me o diagnóstico
mais preciso: "Não é essa situação
que está no Congresso? Não há estômago que agüente".
E continuo cada vez mais com náuseas e dor no estômago, como o Brasil
inteiro.
José Sarney escreve nesta coluna às sextas-feiras.
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