São Paulo, domingo, 06 de outubro de 2002

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CLÓVIS ROSSI

O Brasil que eu quero

SÃO PAULO - O Brasil que eu quero não vai surgir das urnas de hoje, ganhe quem ganhe. Mas pode começar a nascer a partir de 1º de janeiro se o eleito puser na cabeça que a vida da gente e a maneira como a gente leva a vida importam mais que a "ganância infecciosa" dos mercados, com todas as suas consequências.
O Brasil que eu quero foi desenhado bem longe daqui, na semana que passou, a partir de uma tragédia. Refiro-me à morte de Jakob von Metzler,11, herdeiro da fortuna de uma tradicional dinastia de banqueiros alemães, que havia sido sequestrado na semana anterior.
Não, não quero um Brasil em que matem crianças (ou adultos). Mas quero um Brasil em que se possa viver como Jakob vivia: apesar de filho de milionário, ia de ônibus (público) para a escola e fazia a pé o percurso entre o ponto e a sua casa.
No Brasil, ou ao menos nas grandes e nas médias cidades brasileiras, não é preciso ser herdeiro de fortunas para precisar de guarda-costas ou de veículos blindados. No máximo, andam em carros sem blindar, mas sempre particulares. Jamais de ônibus público, jamais a pé.
O transporte público na Alemanha funciona e serve bem a ricos e pobres. No Brasil, serve mal a ambos, mas só os ricos e os mais ou menos podem escapar dele.
Isso é sinal de que Jakob e, por extensão, as crianças alemãs não vivem com a mentalidade de estado de sítio que caracteriza pais, mães, avós, tios e crianças brasileiras. Com essa mentalidade, não se vive, sobressalta-se.
É claro que nesse Brasil que quero crianças morrerão brutalmente, como Jakob. Mas serão casos tão excepcionais que, como o de Jakob, ganharão manchetes no mundo todo. Os meninos e meninas do Brasil morrem no mais profundo anonimato. Não porque as suas vidas valham menos que a de Jakob, mas porque, para eles, a rotina é morrer, não viver.


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