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São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2003

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OPÇÃO RELIGIOSA

Os movimentos de homossexuais têm pressionado para que legislações nacionais reconheçam, senão o casamento entre pessoas do mesmo sexo, ao menos contratos de união civil. Gays tentam também cruzar "a última fronteira", que é a ordenação de sacerdotes assumidamente homossexuais.
Como a ações costumam corresponder reações, religiosos se insurgem contra as mudanças. A recente nomeação de um bispo gay na Igreja Episcopal dos Estados Unidos poderá resultar num cisma entre os anglicanos. Também a Igreja Católica divulgou há pouco um documento em que condena com veemência os projetos de reconhecimento legal de uniões homossexuais.
O diálogo entre movimentos homossexuais e religiosos tende a ser difícil. A razão para a incomunicabilidade é que, enquanto gays raciocinam dentro de uma lógica terrena, segundo a qual tudo muda -e de preferência para melhor, para a plena igualdade-, a religião, particularmente a Igreja Católica, trabalha com a idéia de permanência, de transcendência.
Sem compreender que o Vaticano pretende defender uma moral incondicionada, ou seja, com valores éticos estabelecidos diretamente por Deus, que não podem, portanto, ser relaxados ou "negociados", muito do que Roma diz em matéria de sexualidade ou costumes não parecerá mais do que um tolo exercício de obstinação. A verdade, porém, é que, na economia interna da Igreja, o que pode parecer um detalhe, como a não-aceitação de métodos contraceptivos, adquire a dimensão de dogma. E dogmas não podem ser derrubados impunemente. O risco é que, com eles, caia também o edifício lógico sobre o qual se assenta a própria Igreja.
É claro que, na prática, as coisas não são assim tão drásticas. Mesmo o Vaticano já passou por mudanças sensíveis. Com um pouco da boa casuística que notabilizou os jesuítas, pode-se caminhar em várias novas direções. Esse, no entanto, é um processo que, quando ocorre, se dá no tempo da Igreja, que é o dos séculos dos séculos, e não no das pessoas.
O Vaticano e a maioria das religiões monoteístas, com base nas próprias Escrituras, passaram tempo demais afirmando que o homossexualismo era um pecado, que contrariava Deus e a natureza, e deveria ser punido. Sob essa ótica, o catecismo 2.358, que manda que os homossexuais não sejam discriminados, pode ser considerado um avanço.
Compreender a posição da Igreja Católica, que é apenas a mais paradigmática entre as de religiões monoteístas, não significa que se deva partilhá-la ou aceitá-la. Na lógica do Estado, não entram dogmas religiosos. Para o Estado, o direito não é natural, mas positivo. O terreno ganha preponderância sobre o divino.
Direitos de gays podem e devem ser afirmados, porque o homossexual não é fundamentalmente diferente do heterossexual e, ao Estado, não interessam preferências sexuais. O católico segue livre para exercer seu catolicismo, e os que não quiserem ouvir os ensinamentos de Roma podem seguir outros caminhos.



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