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CLÓVIS ROSSI
Calor, bênção e castigo
SÃO PAULO - Tivesse vivido até o presente, é possível que Euclides da Cunha tivesse ampliado a sua frase
mais famosa, aquela que diz que "o
sertanejo é antes de tudo um forte".
Seria mais correto dizer que o brasileiro é antes de tudo um forte.
É a única conclusão possível ao se
ler o noticiário em torno das reações
de europeus à onda de calor que bate
recorde de duração neste verão.
No Reino Unido, por exemplo, os
trens passaram a reduzir a velocidade quando o calor bate nos 29C, o
que causou atrasos de até uma hora.
No Brasil, com temperaturas acima
dessa, os trens circulam normalmente. É verdade que circulam poucos
trens e com confiabilidade discutível,
mas, ao menos, circulam da mesma
maneira (bem ou mal) com 15C,
20C ou 35C.
Em Berlim, funcionários públicos
ganham folga também quando a
temperatura chega a 29C (há alguma cabala nesse número?). Se a regra
fosse adotada no Brasil, seria ponto
facultativo permanente no Piauí e
em muitas cidades do Nordeste.
É curiosa a relação dos europeus
com o calor, a julgar pela conversa
entre o primeiro-ministro britânico,
Tony Blair, e o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva quando se encontraram em Londres no mês passado.
Lula estranhou o calor, dizendo
que o brasileiro tem da Europa a
imagem de terra fria, cheia de neve.
Blair disse que providenciara o calor
para receber Lula.
Foi, claro, uma tentativa de ser
amável. Mas pode ser lido de outra
forma: os europeus parecem achar
que o calor, quando excessivo para os
padrões deles, é um castigo, mas, para a bugrada dos trópicos, é visto como uma bênção.
Pode até ser, mas, como não podemos deixar de trabalhar quando a
temperatura chega aos 29C (ou aos
39C), bem que poderiam pagar uma
espécie de imposto para compensar
essa, digamos, desvantagem comparativa, não?
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