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São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2003

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CLÓVIS ROSSI

Calor, bênção e castigo

SÃO PAULO - Tivesse vivido até o presente, é possível que Euclides da Cunha tivesse ampliado a sua frase mais famosa, aquela que diz que "o sertanejo é antes de tudo um forte".
Seria mais correto dizer que o brasileiro é antes de tudo um forte.
É a única conclusão possível ao se ler o noticiário em torno das reações de europeus à onda de calor que bate recorde de duração neste verão.
No Reino Unido, por exemplo, os trens passaram a reduzir a velocidade quando o calor bate nos 29C, o que causou atrasos de até uma hora. No Brasil, com temperaturas acima dessa, os trens circulam normalmente. É verdade que circulam poucos trens e com confiabilidade discutível, mas, ao menos, circulam da mesma maneira (bem ou mal) com 15C, 20C ou 35C.
Em Berlim, funcionários públicos ganham folga também quando a temperatura chega a 29C (há alguma cabala nesse número?). Se a regra fosse adotada no Brasil, seria ponto facultativo permanente no Piauí e em muitas cidades do Nordeste.
É curiosa a relação dos europeus com o calor, a julgar pela conversa entre o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando se encontraram em Londres no mês passado.
Lula estranhou o calor, dizendo que o brasileiro tem da Europa a imagem de terra fria, cheia de neve. Blair disse que providenciara o calor para receber Lula.
Foi, claro, uma tentativa de ser amável. Mas pode ser lido de outra forma: os europeus parecem achar que o calor, quando excessivo para os padrões deles, é um castigo, mas, para a bugrada dos trópicos, é visto como uma bênção.
Pode até ser, mas, como não podemos deixar de trabalhar quando a temperatura chega aos 29C (ou aos 39C), bem que poderiam pagar uma espécie de imposto para compensar essa, digamos, desvantagem comparativa, não?



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