São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 2002

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BRASIL E VENEZUELA

Recebeu críticas da oposição venezuelana a passagem de Marco Aurélio Garcia -enviado especial do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva- por aquele país. Alguns líderes do movimento que pressiona pela saída de Hugo Chávez do poder qualificaram o envio de gasolina brasileira -a fim de combater o desabastecimento causado pela paralisação prolongada na estatal petrolífera venezuelana- de perpetrar uma "intromissão indevida nos assuntos internos do país".
A greve na produção de combustível tem sido um dos principais instrumentos da oposição para manter a pressão sobre Hugo Chávez. É compreensível que a frente oposicionista se sinta frustrada com o envio do navio-tanque da Petrobras. A decisão do governo brasileiro -que atende, ao que consta, a uma convergência de opiniões entre Lula e FHC-, no entanto, não deve ser analisada apenas à luz dos interesses dos que se antepõem a Chávez.
Não é desejável que a diplomacia brasileira atue na Venezuela ou em qualquer outro país de modo a favorecer esta ou aquela facção política. A oposição venezuelana por vezes quer fazer crer que prevalece no país a indefinição institucional. Mas ocorre que Hugo Chávez, com todas as suas debilidades políticas e administrativas, ainda é o presidente legítimo da Venezuela, eleito democraticamente.
O diálogo entre FHC -e, a partir de janeiro, entre Lula- e Chávez é, portanto, também um diálogo entre chefes de Estado. Seria deselegante o Brasil deixar de atender a um pedido de auxílio do governo da Venezuela, ainda mais quando se levam em conta os efeitos potenciais do desabastecimento prolongado de combustível numa sociedade já marcada por profunda rivalidade entre ricos e pobres.
Outro argumento a favor da ajuda brasileira é a existência de um precedente de auxílio entre os dois países justamente na questão do petróleo. O embaixador Rubens Ricupero, secretário-geral da Unctad, relata que, em 1979 (segundo choque do petróleo), a Venezuela foi o único país que atendeu a um pedido emergencial do governo do Brasil, que tinha sérias dificuldades para encontrar outros fornecedores. O país vizinho garantiu o abastecimento do mercado brasileiro durante alguns meses.
A melhor maneira de o futuro governo Lula evitar os riscos de uma atuação partidária na Venezuela é estabelecer-se como um mediador, em harmonia com a Organização dos Estados Americanos, para a retomada do diálogo entre o chavismo e seus opositores visando a uma saída negociada, pacífica e institucional para o impasse venezuelano.
O envio de gasolina brasileira não representa "intromissão" partidária em assuntos internos da Venezuela. Mas Lula e seus assessores devem ter claro que o ato contrariou a oposição a Chávez e que, agora, o Brasil precisa trabalhar para não perder a confiança desse importante setor da sociedade venezuelana. A consolidação da imagem internacional de Lula como um aliado incondicional de líderes como Hugo Chávez e Fidel Castro também dificultaria muito a política externa brasileira. Nesse terreno, princípios e linhas de força sempre devem ser temperados com uma boa dose de pragmatismo.


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