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CLÓVIS ROSSI
Seduções e compromissos
SÃO PAULO - O velho discurso social do PT ressurgiu finalmente anteontem na apresentação do futuro ministro da Fazenda, Antonio Palocci,
a seus colegas de gabinete.
Depois de um período em que tocou
só a música que os mercados adoram
ouvir, Palocci constatou: "Temos
consciência de que os votos recebidos
por V. Excia. [Lula] vieram para corrigir a excessiva sedução pelos mercados que marcou a atuação do governo nos últimos anos".
O restante do texto dividiu-se entre
considerações de ordem técnica sobre
política econômica responsável, a novidade no discurso do PT, e a antiga
ênfase na necessidade de atacar a
obscena desigualdade que é a chaga
aberta no organismo brasileiro.
Já aprendi que discurso é discurso, e
nem sempre as palavras correspondem à prática administrativa. Tome-se, por exemplo, o discurso de Fernando Henrique Cardoso na sua primeira posse. A ênfase foi a mesma de
Palocci anteontem: combate à pobreza e à desigualdade.
A pobreza até que se reduziu, graças ao Plano Real, uma obra do governo Itamar Franco, embora assinada pela equipe econômica montada
por Fernando Henrique. Mas a desigualdade não se moveu nem um milímetro sequer.
De todo modo, discursos têm um
papel simbólico importante: podem
servir para cravar na agenda pública
o que é relevante e o que é secundário
na ação do governo. No caso de FHC,
o discurso inicial foi sendo claramente arquivado em benefício do que Palocci classificou de "excessiva sedução
pelos mercados".
O problema é o limite curto dos discursos se não forem seguidos por
ações ou, ao menos, por outros movimentos simbólicos. Palocci já anunciou que a prioridade imediata é a
taxa de câmbio, seguida de "reduzir
ansiedades" e de "buscar o fluxo normal dos financiamentos e a extrema
responsabilidade no gasto público".
Nada contra. O diabo é se tais prioridades podem tomar tempo suficiente para que "a sedução pelos
mercados" suplante, de muito, o
compromisso com o social.
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