São Paulo, domingo, 05 de janeiro de 2003

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Casados com o Brasil

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Paula Saldanha e Roberto Werneck gravando um documentário no cerrado, em 1991


Dois dos mais antigos documentaristas em atividade na TV, Paula Saldanha e Roberto Werneck, hoje na Cultura, falam sobre os 25 anos de estrada e de produção independente

FERNANDA DANNEMANN
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

DEPOIS DE 25 anos de produção independente ao lado do marido, o biólogo Roberto Werneck, 51, a jornalista Paula Saldanha, 49, contabiliza milhares de reportagens, mais de 90 mil fotos e de cem documentários -a maioria para o programa "Expedições", veiculado pela TVE e pela TV Cultura (domingos, 19h30). Saldanha falou ao TV Folha.

A produção independente é uma aventura de risco no Brasil?
É em qualquer lugar; no Brasil, muito mais, porque com a extensão territorial do país, as emissoras nacionais restringem o mercado. Faço um acordo com a Rede Brasil (TVE) e a Cultura (que são afinadas em termos de filosofia), mas não posso simultaneamente negociar com uma emissora comercial. E tem os custos do programa, já que o "Expedições" é produzido em viagens, e viajar dentro do Brasil é caríssimo. Até 1985, o formato também dificultava, porque não era permitido fazer denúncia.
Como era naquela época?
Tivemos muita censura. Um exemplo é o título "A Amazônia é Nossa", de 1979, além de sete minutos do próprio programa. Criticávamos a entrada de multinacionais na floresta, desmatamentos, queimadas e grilagem de terra.
Mas isso mudou.
Lentamente. No programa do último dia 22, falamos da grilagem de terra e da destruição de nascentes dos principais afluentes do rio São Francisco. Hoje preferimos apontar soluções, o que nos faz aprofundar a pesquisa e viajar mais. O programa é produzido em 15 dias e leva um mês pra ser editado.
Como é viver viajando?
Fascinante. Meu caçula está com 20 anos; quando comecei a viajar com o Roberto, ele tinha três. Tinha o esquema das avós e das madrinhas. Na adolescência, nossos três filhos reclamavam mais.
A produção independente que tem por tema a educação é mais fácil de fazer?
O "Expedições" é jornalístico, social e cultural. Mas o pessoal acha que meio ambiente é bichinho e floresta. No começo, quando fazíamos muita denúncia, era difícil conseguir patrocínio. As empresas tinham medo que denunciássemos o que elas faziam de errado. Depois da Rio 92 é que ficou "in" patrocinar programas ecológicos.
No exterior isso é diferente?
A Europa é fascinada pelo lado exótico do Brasil. Já fomos contactados por canais da Inglaterra, França e Itália. Estamos traduzindo nossos livros e programas para o inglês e o espanhol.
Quais os maiores desafios nesses 25 anos de produção independente?
Chegar à nascente do rio Amazonas, em altitude de 5.500 metros, nos Andes peruanos. E conseguir verba para viabilizar o programa na TV. Até 1995, nunca tivemos patrocínio. No caso do "Fantástico", éramos pagos pelo direito de exibição por um período, o que muitas vezes nos deixava no prejuízo. A parceria com a Globo acabou porque ela passou a comprar programas estrangeiros, mais baratos por serem vendidos para mais de cem países.
Qual é a média de audiência?
O "Expedições" está entre os de maior audiência na TVE e na Cultura. Na TVE, tem cerca de 12 milhões de telespectadores semanais.
Como foi sua passagem pela Globo?
Entre 1974 e 1985, apresentei o "Fantástico", o "Jornal Hoje" e o "Globinho". Mas, já em 1977, eu e Roberto passamos a produzir documentários científicos para o "Globinho". Dois anos depois, fizemos o primeiro programa sobre ecologia para jovens na TV brasileira, o "Globinho Repórter".
Por que você saiu da Globo?
Em 85, tentei resgatar o "Globinho", o "Globinho Repórter" e sugeri um programa de entretenimento, mas nada foi adiante porque a emissora entrou numa linha mais comercial. Preferi sair e fechei um contrato de produção independente com o "Fantástico", que durou até 1992. Foi a primeira vez que a Globo trabalhou com material jornalístico de produtora independente. Eles avisavam que não queriam filmes científicos, porque era pra povão. Diziam que o velhinho não podia dormir na cadeira.


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