Companhias
lançam versões de produtos mais simples e de
menor custo para as classes C, D e E, que ganharam poder de
compra
Empresas contratam antropólogos,
e executivos estagiam em favelas para entender comportamento
do consumidor
O ganho de poder aquisitivo da população de
menor renda do país provocou uma transformação
de peso no mercado de consumo e, conseqüentemente, nas
estratégias adotadas pelas empresas.
Desde o Plano Real e o controle da inflação,
em 1994, houve um ganho aproximado de 150% no poder de compra
das famílias das classes C e DE, com renda de até
dez salários mínimos, o equivalente a 87% da
população do país.
Pelo volume de consumidores, esse segmento passou a ter importância
estratégica para as grandes marcas. "Qualquer
empresa do mercado de consumo hoje só assume a liderança
se tiver produtos adequados a esse segmento", diz o professor
de varejo Juracy Parente, da FGV (Fundação Getulio
Vargas). Para ganhar a preferência desse público,
as grandes empresas têm buscado aprofundar a compreensão
da realidade das famílias de baixa renda.
"Muitas estão incluindo antropólogos em
seus quadros e investindo em pesquisas etnográficas,
espécie de estágio em que executivos convivem
com famílias de baixa renda dentro de suas residências,
observando seu cotidiano", diz Haroldo Torres, diretor
do Data Popular Pesquisa e Consultoria.
Segundo ele, a demanda de pesquisas desse tipo cresceu cerca
de 250% no último ano.
A Johnson & Johnson é uma das adeptas do modelo
de treinamento. "Intensificamos os investimentos em pesquisas
ligadas ao comportamento das classes C e D. Fomos à
casa desse consumidor e o acompanhamos no momento das compras
e da utilização de nossos produtos", diz
José Vicente Marino, presidente da Johnson.
"Equipes de marketing, diretores e até o presidente
de então participaram dessa atividade. E fazemos isso
até hoje."
Segundo Marino, devido à importância desse público
para os negócios da empresa, foi implementada uma série
de estratégias de aproximação, como o
lançamento de produtos em versões mais simples
-caso de fralda descartável e escova dental- e a redução
de 30% no preço de outros -caso de hidratante corporal
e xampu infantil. Entre os "ótimos resultados"
alcançados, Marino cita as vendas do hidratante, que
aumentaram cinco vezes, e a conquista da liderança
da categoria de xampu infantil.
A estratégia da Unilever e da Nestlé incluiu
a abertura de fábricas na região
Nordeste, onde está a maior concentração
das famílias de baixa renda.
O investimento rendeu importantes resultados para ambas. "Nosso
faturamento dobrou nos últimos cinco anos. Hoje somos
o segundo mercado em volume da companhia no mundo e o quarto
em faturamento", afirma Johnny Wei, diretor da Nestlé.
Parte desse resultado foi fruto de soluções
sob medida desenvolvidas pela empresa, que também levou
uma equipe de 70 executivos para "estagiar" em residências
de consumidores em favelas. Foram criados produtos como uma
marca de leite em pó de preço baixo e alto valor
nutricional exclusiva para a região Nordeste. Outro
exemplo foram as as porções menores, caso de
biscoito recheado que passou a oferecer embalagem de 140 gramas
como opção à tradicional de 200 gramas.
Café quente
A comunicação, antes unificada para todo o país,
também passou por alterações. A propaganda
de café, por exemplo, que no Brasil inteiro retratava
o consumo da bebida em um clima de frio, mesmo no calor de
cidades como Recife, ganhou versões específicas
para o Nordeste, onde a ênfase é dada ao rendimento
do produto.
"Compreendemos que a renda familiar é instável,
o que faz o consumidor ir mais vezes ao supermercado próximo
de sua casa. Por isso, ele busca produtos de menor custo,
com menor embalagem", diz Wei. "Em vez de uma lata
de 2 quilos, ele prefere um sachê de 500 gramas."
A Unilever, já nos anos 90, abriu sua fábrica
no Nordeste. "Enviamos para lá as melhores cabeças
de marketing", conta o vice-presidente Luiz Carlos Dutra.
Entre o itens desenvolvidos localmente desde então,
destacam-se o sabão Ala e a versão compacta
do desodorante Rexona, ambos considerados sucesso de vendas
e participação de mercado: 24% e 9%, respectivamente.
A empresa no Brasil comemora o fato de estar em terceiro no
ranking da companhia. "Hoje, estamos atrás somente
dos EUA e do Reino Unido."
Denise Brito
Folha de S.Paulo.
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