"Na
real", dizem Otávio e Gustavo Pandolfo, 32, mais
conhecidos como os grafiteiros e artistas plásticos
Os Gêmeos,
"a gente separa o mundo da rua e o mundo da galeria".
Foi por um caminho incomum - saindo do Cambuci, bairro paulistano
de classe média em que pintaram seus primeiros muros,
passando por importantes galerias norte-americanas e européias
- que os dois ligaram esses mundos. Percurso que se completa
na abertura de sua primeira exposição individual
no Brasil, na Fortes
Vilaça, em São Paulo, que passa também
a representá-los no país.
"Começam" sua vida artística comercial
por aqui, no entanto, com os mesmos empresários da
linha de frente da produção artística
contemporânea no Brasil. A Fortes Vilaça representa
no país nomes como Vik Muniz, Nuno Ramos e Adriana
Varejão.
Deve ser mais que coincidência o fato de a exposição
ter, também ela, um "caminho" que vai da
rua, e do grafite, à forma mais tradicional e intramuros
da produção artística, a pintura em tela.
Na fachada da Fortes Vilaça, no bairro da Vila Madalena,
a dupla pintou sua marca registrada, facilmente reconhecível
por quem passa de carro ou a pé por vários pontos
da cidade: um rosto humano amarelo, com olhos separados na
face. No piso inferior da galeria, ainda é nas paredes
(em todas elas) que aparece o trabalho mural d'Os Gêmeos.
Sentados no chão, pedem para que a reportagem não
revele no texto a grande instalação no centro
da sala, em que pela primeira vez usam recursos mecânicos
para trazer a "quase todos os sentidos" seu universo
lúdico. Engrenagens se movem, bonecos dançam,
e sons de chuva e de caixinhas de música podem ser
ouvidos.
Peixes fora d'água
Sobre a pintura nas paredes, fazem a distinção
com seu trabalho "externo": "Grafite é
outra história. Fica na rua e está sujeito a
qualquer coisa. Ele se modifica sem parar".
Protegidos do ar seco que bateu recordes de poluição
na última semana na cidade, peixes pulam para fora
d'água nos murais ao redor dos artistas, e são
às vezes puxados por fios que os ligam a personagens
humanos. Têm a ver com o título da exposição:
"O peixe que comia estrelas cadentes".
Sem terem nenhum ar de peixes fora d'água, os "novatos"
da galeria brasileira dizem que "nem sempre as estrelas
cadentes caem dentro d'água". "Às
vezes os peixes têm que sair para pegá-las e
têm que aprender a viver fora d'água." Tudo
porque seus peixes têm um objetivo -o de "comer
estrelas".
No segundo andar estão as oito telas da dupla. Cada
uma sai por US$ 19 mil (cerca de R$ 41 mil). Preço
de "artistas iniciantes em Nova York", explica Márcia
Fortes, sócia da galeria, chamando atenção
para o nome da cidade no fim da frase.
O valor não é ela que define, explica. Fez
parte do caminho incomum d'Os Gêmeos terem tido representação
internacional, a importante Deitch Projects - que hoje dita
seus preços - , de Nova York, antes de virem a ser
representados por alguém no Brasil.
Cercados por obras que somam mais de R$ 320 mil, contam do
momento em que decidiram se dedicar exclusivamente ao trabalho
como artistas, no início dos anos 90. Trabalhavam então
como contínuos em duas agências paulistanas diferentes
do Bradesco.
Rua? Que rua?
"Ficávamos desenhando durante o expediente",
conta Gustavo, aparentemente o mais extrovertido da dupla.
"Nos davam advertência atrás de advertência."
Ele chegou a ser promovido a escriturário. "A
mim, nunca passaram de boy", diz Otávio. "Tínhamos
que trampar para ganhar dinheiro e ajudar em casa", continua
Gustavo. E conclui: "Mas a questão não
era nem grana, era que não conseguíamos ficar
por lá. Queríamos trabalhar e viver só
do desenho. Tínhamos muito pouco tempo, e a vida é
curta para ficar tirando extrato".
Deu tudo certo. Márcia Fortes, por óbvio, aposta
nos dois: "Não estamos pensando em uma mostra
em si. Estamos pensando nessa mostra para divulgar a nossa
representação de novos artistas da galeria.
Para firmar a representação da Fortes Vilaça".
No seu discurso, o "mundo da rua", dos grafiteiros,
ficou do lado de fora. "Os Gêmeos caíram
nas nossas mãos porque a gente estava há uns
dois ou três anos falando para todo mundo: "Queremos
novos pintores". Alguém desenvolvendo um universo
e um imaginário pictórico", ela diz.
"Uma colecionadora muito amiga um dia nos mostrou um
livro com as obras deles. Comecei a vê-lo e disse: 'Curioso,
já vi isso em algum lugar. Será que foi em alguma
feira de arte?" Em que exposição?' De repente,
caiu a ficha. Vi isso nos muros de São Paulo. Foi aí
que eu percebi que era rua."
Rafael Cariello
As informações são da Folha de
S.Paulo.
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