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Carta da semana
Jornalismo comunitário eleva a auto-estima
e resgata cidadania
"O jornal comunitário
pode se constituir em eficiente estratégia de educação
não-formal, contribuindo para a elevação
da auto-estima, a reconstrução da cidadania
e o desenvolvimento de um olhar crítico por parte das
pessoas envolvidas na sua produção e também
dos demais integrantes da comunidade no qual o veículo
de comunicação está inserido. A conclusão
não está baseada em mera retórica, mas
numa pesquisa-ação realizada pelo jornalista
Amarildo Carnicel para a tese de doutorado que acaba de defender
na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp. Nos
últimos quatro anos, o pesquisador coordenou oficinas
de Jornalismo Comunitário destinadas a jovens entre
11 e 17 anos de três comunidades carentes de Campinas.
Mesmo enfrentando dificuldades e identificando equívocos
de percurso, a iniciativa proporcionou bons resultados. Tanto
é assim que em um dos bairros o fanzine criado pelos
adolescentes já completa três anos de existência
e começa a gerar novos frutos.
Fanzine completa três anos de existência
As oficinas coordenadas por Carnicel, que é pesquisador
do Centro de Memória da Unicamp (CMU) e professor da
PUC-Campinas, do Laboratório de Estudos Avançados
em Jornalismo (Labjor) e das Faculdades Hoyler, integram o
projeto intitulado “Memória, qualidade de vida
e cidadania: os bairros populares de Campinas”, desenvolvido
pelo CMU. Este compreende outras oficinas além da de
Jornalismo Comunitário, tais como fotografia, história
oral, criatividade, hip-hop etc. As três comunidades
objeto do trabalho foram a Vila Costa e Silva, o Complexo
São Marcos (formado pelos jardins São Marcos,
Campineiro, Santa Mônica e Recanto Fortuna) e Vila Castelo
Branco, localizadas na periferia do município. Em todos
os bairros, destaca o pesquisador, o projeto contou com a
parceria de uma ONG ou da paróquia local.
Carnicel afirma que todo o trabalho deu-se num processo de
aprendizado mútuo. “Se a iniciativa de elaboração
de um jornal comunitário consistiu em novidade para
os adolescentes, a transmissão do conhecimento e o
meio utilizado para a materialização dos ensinamentos
também foram atividades inéditas para mim”.
A experiência, reconhece, foi marcada por várias
dificuldades. O autor da tese lembra que muitos jovens tinham
dificuldade para ler ou escrever. Outro problema foi a falta
de familiaridade dos adolescentes com as práticas da
educação não-formal. “A educação
não-formal é caracterizada pela participação
espontânea e pela inexistência de cobranças
e punições. Também não há
relação hierárquica entre as pessoas.
Mesmo assim, tanto na Vila Costa e Silva quanto no Complexo
São Marcos os garotos e garotas insistiam em me chamar
de ‘professor’. Além disso, nossos encontros
se davam numa sala, onde eu me valia de lousa e giz para explicar
o que era uma entrevista ou uma reunião de pauta. De
algum modo, isso criava um ambiente próximo ao da escola
convencional”, explica.
Na Vila Costa e Silva, os adolescentes produziram um jornal
mural, cujos exemplares foram afixados em pontos estratégicos
do bairro, como estabelecimentos comerciais e locais de grande
concentração dos moradores. Entretanto, assim
que Carnicel deixou a coordenação das atividades,
para dar prosseguimento à sua pesquisa, os trabalhos
foram encerrados. No Complexo São Marcos, lembra o
jornalista, houve um problema adicional. “Alguns dos
adolescentes estavam na situação de liberdade
assistida. Assim, a presença na oficina era uma condição
imposta pela Justiça. Isso colide com os princípios
da educação não-formal, que defende a
participação espontânea”, reforça
o pesquisador. Em razão dessas dificuldades, o trabalho
junto àquela comunidade não pôde ser materializado
na forma de um jornal comunitário. “Entretanto,
penso que a experiência foi positiva tanto para os adolescentes
quanto para mim”, analisa Carnicel.
Na Vila Castelo Branco, a situação foi totalmente
diferente das experiências anteriores. Conforme o jornalista,
os jovens do bairro já tinham familiaridade com a educação
não-formal, em virtude do trabalho realizado pela ONG
Projeto Gente Nova (Progen). Dessa forma, a maioria dos participantes
entendeu a proposta da oficina desde logo e demonstrou grande
interesse pelas atividades. Lá, o pesquisador teve
a oportunidade de constatar de forma ainda mais efetiva a
importância do jornal comunitário como ferramenta
para a promoção da auto-estima e da cidadania.
“Inicialmente, quando nos reuníamos para definir
as pautas, os jovens sugeriram muitos temas relacionados à
violência, pois isso fazia parte do cotidiano deles.
Em pouco tempo, porém, acabaram percebendo que o bairro
também tinha aspectos positivos, como o morador que
escrevia poesia ou a moradora que trabalhava com artesanato”,
relata.
O fato de o jornal, batizado de “Conexão Jovem”,
divulgar “as coisas boas” do bairro elevou a auto-estima
tanto dos jovens quanto do restante da comunidade, segundo
Carnicel. Ao verem a vila retratada fora das páginas
policiais dos jornais, os moradores não só aprovaram
a iniciativa, como começaram a participar dela, por
meio da sugestão de pautas, publicação
de anúncios e até mesmo de apoio material. “Um
leitor, que tinha uma filmadora e algumas fitas, doou tudo
para a redação, justificando que seria importante
registrarmos nossa experiência em vídeo”,
conta o autor da tese de doutorado. Umas das conseqüências
do trabalho realizado na Vila Castelo Branco, prossegue o
jornalista, é que praticamente todos os integrantes
da primeira oficina estão hoje no mercado de trabalho.
“Eles disseram que a oportunidade de planejar e produzir
um jornal, no caso um fanzine, teve influência na obtenção
do emprego, pois todos se sentiram mais preparados para enfrentar
o processo seletivo, no qual o candidato normalmente é
submetido a uma entrevista e tem que apresentar uma redação”.
Novos frutos – Mas os resultados não
pararam aí. Ao acompanharem os objetivos alcançados
pelo jornal, que entra agora na sua décima edição,
com tiragem de 5 mil exemplares [começou com mil],
dirigentes de escolas da região procuraram o Progen
com o objetivo de também produzirem uma publicação,
com a participação de seus alunos. A partir
do ano que vem, Carnicel dará aulas de capacitação
para os professores dessas unidades de ensino, de modo a prepará-los
para coordenarem oficinas de Jornalismo Comunitário
junto aos estudantes. Este projeto já foi apresentado
para algumas empresas e fundações, que deverão
patrociná-lo. De acordo com o jornalista, esse tipo
de ação representa uma efetiva abertura de espaço
a grupos marginalizados cultural e geograficamente. “Embora
o jornal comunitário valorize os fatos positivos do
bairro, ele não fecha os olhos para os problemas. Nas
várias matérias publicadas, os jovens trataram
de questões como droga e violência, sempre com
um olhar bastante crítico”.
A exemplo de outros fanzines produzidos com a mesma proposta,
assinala Carnicel, o “Conexão Jovem” não
tem a pretensão de ser um modelo de democratização
dos meios de informação. “Este tipo de
publicação, pelas suas características,
pode e deve conviver pacificamente com os jornais de médio
e grande porte”, analisa. O autor da tese de doutorado,
que foi orientado pela professora Elisa Angotti Kossovitch,
considera, ainda, que a educação não-formal
não compete com o ensino convencional. Portanto, não
deve ser encarada como uma forma de reforço escolar.
“Uma atividade não exclui a outra. Na verdade,
elas são complementares”, sustenta",
Manuel Alves Filho- leitorju@reitoria.unicamp.br
Notícia originalmente publicada
no Jornal da Unicamp.
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