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Para baratear o custo das eleições
e reduzir a tentação do caixa dois, senadores aprovaram, na
quinta-feira, uma série de medidas capazes de elevar a educação
do brasileiro. Entre outras propostas está a de pôr fim na
pirotecnia que se vê no horário eleitoral. Os candidatos teriam
de aparecer sem trucagens nas telas e estariam proibidos de
fazer "showmícios" e de distribuir brindes. Força-se assim
a discussão de idéias e de programas de governo; valorizam-se
as sabatinas e os debates promovidos pelos meios de comunicação
ou pelas entidades da sociedade civil. Ainda que não seja
a cura da demagogia e da empulhação, já é um filtro.
Embora ainda não tenham sido aprovadas, essas medidas são,
até agora, o fato mais positivo de toda essa crise gerada
pelas denúncias de corrupção. São, entretanto, um ínfimo detalhe
de um movimento muito maior: a rebelião da sociedade brasileira
contra as mais diversas modalidades de impunidade.
O pacote antipirotecnia foi um dos fatos que me levaram à
escolha do título desta coluna. Temi estar exagerando, forçando
a barra. Puxei pela minha memória de 30 anos de jornalismo,
boa parte dos quais acompanhando os bastidores do poder, consultei
alguns livros sobre algumas crises nacionais. Fiquei então
seguro em dizer que, para mim, 2005 é o ano da redescoberta
do Brasil.
Desafio qualquer estudioso a provar que, em qualquer período
de nossa história, tanta gente tenha combatido, como agora,
com tanta intensidade, os mais diversos tipos de impunidade.
Desta vez, o alvo são não apenas governos mas diferentes setores
da sociedade. Não é necessário ir longe. Basta ver o que ocorreu
na semana passada.
Na semana passada, 70 fiscais estavam investigando a Daslu
para tentar descobrir sonegação de impostos. No Rio, jogadores
de futebol tinham de dar explicações sobre relacionamento
com um traficante de drogas; um famoso doleiro, dublê de socialite,
foi preso, a pedido do Brasil, no exterior; outro doleiro
revelava esquemas de transferências de recursos para os políticos;
o principal marqueteiro do país não conseguiu preservar sua
própria imagem e perdeu as contas que mantinha com o governo;
um empresário (Rogério Buratti) deu ainda mais detalhes sobre
esquemas de financiamento de campanha eleitoral e implicou
o ministro da Fazenda, que negou as acusações; Delúbio Soares
acabou confessando que recursos clandestinos iam para a campanha
presidencial; Edinho, filho de um dos maiores ídolos brasileiros,
prestava depoimento, acusado de tráfico de drogas. Repito:
são fatos só da semana passada. Parece muito? Não exagero,
mas esses são detalhes de um movimento que pretende enfrentar
a impunidade nacional.
Foi neste ano de 2005 que se conseguiu, graças à articulação
da sociedade, evitar o aumento de impostos. Foi também quando
se barrou, mais uma vez pela pressão popular, o aumento de
salário dos deputados. Foi o ano em que, pela primeira vez,
se informou ao governo o seguinte: se quiser dinheiro, reduza
os gastos ou gaste melhor os recursos.
Este é também o ano em que estamos vendo experiências de redução
do número de assassinatos, resultado de mais empenho da polícia
articulada com comunidades. É o que está ocorrendo na região
metropolitana de São Paulo, algo que nem de longe é obra só
de governo. Vimos, em todo o país, o que significaram algumas
iniciativas, como abrir as escolas nos fins de semana, para
a redução da violência.
Com os ataques a Palocci na sexta-feira, disseminou-se o temor
de que a crise política vazasse para a economia. Mesmo que
isso venha a ocorrer, não será uma catástrofe. Faz parte do
aprendizado nacional o receio de populismos, messianismos
e salvacionismos.
Neste ano de 2005, redescobrimos um país que se rebela não
contra um governo, mas contra sua história de impunidade,
a qual explica, pelo menos em parte, por que somos tão ricos
e, ao mesmo tempo, tão pobres. Já não é tão fácil sonegar,
sustentar caixinhas de políticos, manter contatos, mesmo que
de amizade, com delinqüentes e traficantes de drogas. O que
se persegue, em essência, é bem mais que o combate à ladroagem.
Persegue-se um país mais responsável. Nossa paciência para
o "jeitinho" -uma das faces da impunidade- está acabando.
É em 2005 que estamos vendo que governos e governantes podem
ser menores que as crises, mas o Brasil é maior.
PS - Caros senhores do poder, preparem-se. A tendência natural
é que essa rebelião evolua para atacar a grande mazela brasileira:
o gigantesco peso do Estado nas costas do cidadão. A próxima
fase é a descoberta, em detalhes, de como gastamos tanto para
sustentar governos que devolvem tão pouco. Estamos entrando
na era não mais da ojeriza pela corrupção, mas da denúncia
da incompetência. Vamos descobrir, por exemplo, por que se
gasta tanto na área social e ainda existe tanta miséria ou
por que nossos estudantes não sabem ler nem escrever como
deveriam saber. Essa, sim, será a grande redescoberta brasileira.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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