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Gilmar
Mendes comparou o jornalista ao cozinheiro; não acredito
que um cozinheiro, no futuro, prospere sem diploma
Professor de Harvard, o psicólogo Howard Gardner ganhou
notoriedade mundial ao disseminar o conceito de inteligências
múltiplas -em poucas palavras, a inteligência
se manifesta das mais diferentes formas, inclusive na habilidade
como se move o corpo num campo de futebol.
Veja a renda mensal de jogadores que desprezaram a escola
como Adriano (R$ 300 mil) ou Ronaldo (R$ 1,1 milhão)
-agora, compare com salário de um professor doutor
da USP, com dedicação integral (R$ 6,7 mil).
Imagine quantos times de professores seriam necessários
para ganhar o salário dos dois jogadores.
O psicólogo afirma que uma das habilidades fundamentais
no mercado de trabalho é a "mente sintetizadora".
Por isso, apesar da decisão do Supremo Tribunal Federal,
na semana passada, de permitir que até um jovem com
ensino médio (ou menos) trabalhe numa Redação,
o jornalista não terá futuro sem, no mínimo,
um diploma. Provavelmente o menos importante desses diplomas
seja o de jornalismo.
Mente sintetizadora é a habilidade de extrair o que
é essencial do amontoado cada vez maior de informações
despejada diariamente pelos mais diferentes meios. Para Gardner,
o profissional do futuro deverá ter essa "mente"
ou, pelo menos, ser assessorado por alguém que a tenha,
do contrário tende a ficar paralisado entre as múltiplas
alternativas.
Para nenhuma atividade profissional, o desafio de lidar com
o excesso de informação (e, portanto, exercer
a capacidade de síntese) é tão pesado
como para os jornalistas. Afinal, a imprensa é e será
o grande filtro, seja no papel, no rádio, nas telas
da televisão ou do computador. O jornal "The New
York Times" inventou, no mês passado, um novo cargo:
editora de "mídia social". Sua missão:
navegar pelo labirinto das redes de internet como Orkut, Facebook,
Twitter, além da floresta de blogs, e descobrir informações
e tendências. Quem está acompanhando as manifestações
do Irã, vê o papel dessas redes diante da proibição
de divulgação de notícias.
Não se desenvolve a capacidade de síntese sem
um longo treino de associação de dados, ideias
e conceitos, o que exige uma vivência de ensino superior,
com cargas de leitura e dissertações aprofundadas.
Desenvolve-se, aí, a competência para identificar,
relacionar e selecionar, a partir de problemas complexos.
Daí que o aluno que passou a vida decorando para fazer
provas tem até a chance de entrar numa boa faculdade,
mas corre o risco de quebrar a cara no mercado de trabalho.
O fim da obrigatoriedade do diploma responde a essa demanda
dos meios de comunicação: a abertura para profissionais
ou acadêmicos das mais diversas áreas, especializados
em determinados assuntos, capazes de acompanhar melhor a velocidade
do conhecimento. É bem diferente de certos tempos em
que se aceitavam, sem maiores problemas, repórteres
talentosos para descobrir o futuro, mas incapazes de escrever;
havia, na Redação, profissionais pagos para
escrever a matéria, chamados "copidesque".
O jornalista de qualidade será obrigado a se reciclar
permanentemente, mantendo-se ligado a algum nível de
vida acadêmica. É apenas consequência óbvia
da era da aprendizagem permanente. Ou seja, um diploma é
pouco. O presidente do STF, Gilmar Mendes, ao justificar o
fim do diploma, comparou o jornalista ao cozinheiro. Também
não acredito que um cozinheiro, no futuro, prospere
sem diploma de ensino superior.
Ao contrário do que se pensa, o fim do diploma deve
ajudar os cursos de jornalismo. Basta ler um texto universitário
para ver a inviabilidade da linguagem acadêmica na mídia.
Os profissionais que desejarem prosperar numa Redação
terão de reciclar sua linguagem e lidar com as técnicas
de comunicação; o acadêmico tem a reverência
do processo; o comunicador, a do instante.
Minha aposta é que serão criados cursos de curta
duração, no estilo sequencial, com foco no mercado
de trabalho. Com a decisão do STF, tirando os corporativistas,
todos saíram ganhando a começar do leitor.
PS - Minha aposta: os cursos de jornalismo mais procurados
serão uma versão um pouco mais ampliada dos
treinamentos oferecidos atualmente em jornais e algumas revistas.
Ou seja, centrados na prática e no contato com jornalistas
em atividade. Fora disso, é para quem procura fazer
teses de doutorado (o que, diga-se, é importante).
Ou jogar dinheiro fora. É mais uma pancada contra a
praga do corporativismo que, na semana passada, levou mais
cutucões, entre os quais a divulgação
dos salários dos serviços municipais pela Prefeitura
de SP e o anúncio da obrigatoriedade de exames para
diretores regionais de ensino e de saúde, além
dos diretores dos hospitais da rede pública paulista.
Vamos, aos poucos, aprendendo a valorizar o mérito
para defender a coletividade, especialmente os mais pobres.
Para completar, alunos se mobilizaram contra a greve na USP.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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