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Enquanto os políticos e sindicalistas
garantem que não haverá alteração
nos direitos trabalhistas, patrões e empregados dão
as costas para as formalidades legais, desdenham os debates
oficiais e produzem uma revolução.
Essa revolução chega
a tal ponto que estamos nos tornando, por mais exótico
que pareça, um país de patrões, como
se pôde ver em estatísticas oficiais divulgadas
na semana passada. Anualmente, centenas de milhares de brasileiros
decidem abrir sua própria empresa.
Falar em centenas de milhares pode
parecer exagero, mas é exatamente isso - o que reflete
as mudanças profundas e irreversíveis nas regras
do mercado de trabalho.
De acordo com o IBGE, em 2000 havia
5,6 milhões de proprietários de empresas. No
ano seguinte, esse número pulou para 6,14 milhões.
Em apenas 12 meses, 461 mil brasileiros, número de
pessoas equivalente à lotação de cinco
estádios do Maracanã, abriram uma empresa. Mesmo
que sejam patrões de si próprios (ou, se preferir,
empregados de si mesmos), são tratados legalmente como
patrões.
Em essência, há pouca
diferença entre a maioria dos novos patrões
e os empregados informais - sem nenhuma proteção,
estão todos buscando garantir um rendimento, mesmo
à custa de menos benefícios. Há pelo
menos duas explicações para a explosão
do número de firmas: o empregador e o empregado consideram
conveniente o contrato de prestação de serviços
por aliviar a carga de impostos e o indivíduo ficou
desocupado e só consegue se inserir no mercado se abrir
mão da carteira assinada, como um eterno free-lancer.
Esse é, na visão dos especialistas, o trabalhador
do futuro, contratado provisoriamente.
Para os políticos e sindicalistas,
faz todo o sentido dizer que flexibilizar a legislação
precariza o mercado de trabalho -até porque é
verdade. E até porque seu emprego depende, pelo menos
em parte, desse discurso.
Mas, para quem tem de optar entre
nenhum emprego e um emprego sem nenhum benefício, a
flexibilidade é apenas uma questão de sobrevivência.
Essa opção foi visível
- e coloquemos visível nisso - mais uma vez na semana
passada, exposta no índice de desemprego. Segundo o
IBGE, o número de trabalhadores com carteira assinada
em agosto permaneceu estável em relação
ao mesmo mês do ano passado. Ou seja, estancou. Já
o número dos informais cresceu 7% e foi o que salvou
o desemprego de uma calamidade ainda maior. "A flexibilização
do trabalho já está ocorrendo, mas de forma
selvagem", analisa o economista José Márcio
Camargo.
Temos a seguinte situação
paralisante: prega-se um ideal de legislação,
mas a sociedade vai para outro caminho -e vai pior do que
se houvesse uma flexibilização negociada.
Os sinais, até agora, indicam
que Lula, que já está brigando com funcionários
públicos por causa da Previdência, não
pretende, pelo menos neste ano, patrocinar mais polêmicas
com sua base de sustentação social. "Não
somos a favor do trabalho escravo", diz o ministro Jaques
Wagner, que, numa entrevista neste ano, ao apenas insinuar
mudanças, levou pancadas da CUT e reviu suas reflexões.
Diante das propostas de flexibilização
- por exemplo, parcelamento do 13º salário -,
sindicalistas, estáveis, estufam o peito e dizem: "Não
podemos criar trabalhadores de segunda classe". Estão
certos. Dessa maneira, criam-se mesmo os trabalhadores de
segunda classe.
Mas, com ou sem lei, estão
surgindo o que o professor José Pastore, especialista
em relações trabalhistas, chama de os "desclassificados"
- os trabalhadores sem nenhum direito, sem nenhuma classe.
Além do problema individual,
existe a desproteção coletiva. Esses trabalhadores
não têm direitos, mas têm despesas. Se
ficam doentes, acabam no sistema público de saúde.
Quando se aposentarem e forem miseráveis, poderão
obter uma renda mínima.
No final das contas, é cada
vez menos gente para bancar mais quem vive na informalidade
ou sonega. Com isso, é mais difícil ainda reduzir
a carga de impostos para fazer o país crescer - e gerar
mais empregos.
Diante de uma situação
inusitada, em que se produzem, em igual velocidade, patrões
e trabalhadores clandestinos, é preciso criar soluções
que quebrem o discurso fácil dos políticos e
sindicalistas e lançar soluções inovadoras
-e, claro, corajosas.
PS - Como sempre ocorre, os excluídos
estão fora desse debate. Falam apenas os políticos
e os representantes dos sindicatos patronais e de empregados.
O sujeito obrigado a aceitar qualquer trabalho precário
simplesmente não é ouvido. Manda o bom senso
que se criem alternativas para os pequenos e microempresários,
que não conseguem bancar o custo da folha, mas não
querem viver na marginalidade.
Coluna originalmente publicada no jornal
Folha de S. Paulo, aos domingos.
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