Não
se trata de lamentar as distorções imperdoáveis
da legislação penal brasileira, mas de suprir
a ausência de políticas públicas
Entre uma e outra manchete dos jornais sobre a criminalidade
no país, repetimos o mesmo mantra: o que ainda falta
acontecer?
A descrença e o medo disseminam pelo tecido social
a idéia de que estamos perdendo gerações
e gerações para as mais diversas formas de violência
e se instala na agenda dos poderes públicos uma pauta
nervosa, marcada pela urgência em dar respostas a uma
sociedade cada vez mais refém da sua própria
desigualdade.
Longe das paixões que mobilizam o debate em torno da
necessidade de justiça a qualquer preço, constato
o óbvio: nossos jovens não nasceram predestinados
à marginalidade.
Cabe à sociedade e ao poder público, em especial,
agir, intervir antes que esses rapazes e moças se vejam
excluídos de uma sociedade que parece não desejá-los;
antes que se sintam encurralados pela falta de oportunidades;
antes que se situem num "não-lugar", onde
se transformam em presas fáceis para o crime e a violência.
Ao lado da ainda inexpugnável e renitente concentração
de renda e oportunidades no país, acumulamos os passivos
de outros desastres anunciados, que travam as portas à
inserção produtiva e social.
Nunca a desagregação familiar foi tão
ampla e intensa; nunca a violência esteve tão
banalizada; nunca o desencanto e o desamparo nos tomaram tão
fortemente; nunca a derrocada da ética e a impunidade
estiveram tão evidentes; e jamais houve tanta convergência
de barreiras dificultadoras do acesso ao mercado de trabalho.
Nada, porém, é tão danoso quanto a frágil
interlocução do Estado brasileiro com esse segmento
social, sobretudo os mais pobres. Não se trata de reduzir
ou circunscrever o problema à esfera do esgotamento
dos modelos de segurança ou lamentar as distorções
imperdoáveis da legislação penal, mas
de suprir a ausência de um conjunto de políticas
públicas, serviços e instrumentos capazes de
intervir na realidade e garantir as condições
mínimas para o desenvolvimento dos que iniciam a vida
adulta.
Hoje, Minas Gerais dá mais um passo nesse esforço
inadiável de promover atendimento dirigido aos nossos
jovens, com o objetivo de evitar que um dia eles sejam assediados
com promessas de uma vida fácil e acabem vítimas
seja de organizações criminosas, seja da impotência
de uma sociedade que se mostrou incapaz de lidar com suas
próprias contradições.
Estaremos lançando o primeiro módulo do programa
Poupança Jovem, inédito no Brasil e proposto
à sociedade mineira na última eleição.
No projeto-piloto, 5.000 jovens que ingressaram neste ano
no ensino médio da cidade de Ribeirão das Neves,
município com menor IDH da região metropolitana
de Belo Horizonte e com graves indicadores de violência,
receberão atendimento direto por parte do Estado na
sua vida escolar, familiar e na comunidade que integram. O
tempo livre agora será preenchido por atividades extracurriculares
oferecidas por programas sociais, culturais e de capacitação.
Complementarmente, esses jovens serão estimulados com
uma poupança de R$ 3.000 a que terão direito
ao final de três anos. Para tanto, nesse tempo, os participantes
terão de fazer sua parte: esforçar-se na escola,
evitar envolvimento com a criminalidade, participar das atividades
oferecidas e de ações coletivas em apoio ao
desenvolvimento de suas comunidades. Ao fazerem a sua parte,
estarão criando condições reais capazes
de assegurar uma alternativa a seu futuro.
A quantia de R$ 3.000, que para muitos pode parecer insuficiente,
pode significar na realidade desses jovens um investimento
em mais escolaridade, o começo de um pequeno negócio
entre jovens associados, entre outras possibilidades.
Nos próximos anos, o Poupança Jovem beneficiará
50 mil adolescentes nas regiões selecionadas, tendo
como critérios o IDH, a taxa de evasão escolar
e os índices de criminalidade.
A idéia, portanto, ultrapassa a fronteira da mera distribuição
de recursos financeiros. Queremos disseminar entre eles os
ativos sociais necessários para que se tornem adultos
capazes e independentes. Por isso, é um programa-ponte,
de "mão dupla". O Estado faz a sua parte,
mas exige que os jovens participantes também façam
a sua.
Com esse programa, Minas quer dizer aos seus jovens que existe
um lugar para cada um deles na nossa sociedade. Também
estamos sinalizando que não abrimos mão deles,
que os queremos cidadãos incluídos, respeitados
e produtivos. Acreditamos fundamentalmente que é possível
avançar compartilhando responsabilidades, na medida
em que o Estado assume seu papel intransferível.
Significa criar convergência, e não mero proselitismo
para justificar a inoperância e a omissão.
AÉCIO NEVES DA CUNHA , economista,
é governador de Minas Gerais pelo PSDB. Foi deputado
federal (1986 a 2002), líder do governo Fernando Henrique
(1997 a 2000) e presidente da Câmara dos Deputados (2000
a 2002).
Artigo publicado na Folha de S.Paulo.
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