As
portas da Pinacoteca ainda estavam fechadas na quinta, 2,
quando 40 pessoas já passeavam por seus corredores.
Eram os próprios funcionários do museu, no terceiro
encontro do projeto Minha Obra Favorita. A cada semana, depois
de tomarem café da manhã juntos, eles ouvem
um dos colegas contar qual peça do acervo do museu
mais o encanta.
Inovações desse tipo estão entre as razões
que colocam a Pinacoteca do Estado de São Paulo no
posto de museu-sensação. Em 2003 recebeu 140
mil visitantes a mais do que o Masp. A diferença deve
crescer ainda mais neste ano, graças a trunfos como
a estréia mundial, dia 23, de "Da Lama Lâmina",
de Matthew Barney, um dos mais importantes artistas contemporâneos.
A Pinacoteca é o principal museu de São Paulo?
Seu diretor, Marcelo Araújo, é diplomático
quando se toca no assunto. "Gosto de pensar que o museu
está no coração dos paulistanos",
diz. Ele era um dos ouvintes da reunião da quinta,
quando a bibliotecária Lucila de Sá apontou
sua favorita entre as 6.000 peças do acervo: "Cozinha
Caipira" (1895), de Almeida Junior.
Araújo usa a mesma diplomacia para negociar as doações
e trocas de quadros que aumentaram o acervo da Pinacoteca
em 10% desde que assumiu a direção, em 2002.
Todo artista que expõe lá, por exemplo, é
convidado a deixar uma obra no acervo. Também por meio
de doações foram preenchidas lacunas como a
falta de quadros do gaúcho Iberê Camargo. "Não
temos dinheiro para comprar obras", explica o diretor.
O orçamento da Pinacoteca é de cerca de R$
4 milhões anuais. Aráujo calcula que precisaria
de pelo menos 25% a mais para começar a pensar em ter
obras de artistas como Ismael Nery, cujo preço de mercado
é dos mais altos. Em leilões, chegam a ter lance
mínimo de até R$ 800 mil.
O museu completa cem anos em 2005. Na quinta, porém,
o aniversário era de sua funcionária mais antiga,
a recepcionista Therezinha Paschoal, que trabalha lá
desde 1956. A idade ela não conta.
Antes da Pinacoteca, Therezinha foi modelo e manequim. Desfilou
para confecções da hoje popular rua José
Paulino e foi eleita a Mais Bela Esportista do São
Paulo Futebol Clube, em 1952. No museu, perdeu a conta do
número de vezes em que, durante o regime militar, saiu
correndo do museu ao ser alertada de supostas bombas na Escola
de Belas Artes, que funcionava no prédio.
Marcante para a veterana Therezinha, a quinta-feira também
vai ficar na memória dos gêmeos Rafael e Régis
Brasílio, 18. Foi seu primeiro dia em seu primeiro
emprego, no mesmo cargo ocupado por ela. Moradores do Itaim
Paulista, na zona leste da capital, nunca tinham ido à
Pinacoteca antes das entrevistas de trabalho. Por isso não
quiseram arriscar nenhum palpite sobre as obras de arte que
viram. "Vamos aprender agora", diz Rafael.
Cerca de 1.200 obras do acervo do museu ficam expostas, um
índice de 20%. Outros museus paulistanos, como o MAC-USP,
têm somente 3% de suas obras em exposição.
Nesse campo a vantagem da Pinacoteca é a área
total, que cresceu de 12 mil m2 para 20 mil m2 com a inauguração
da Estação Pinacoteca, espaço anexo,
em janeiro deste ano.
Quanto maior a área, mais trabalho para o encarregado
de conservação das obras Claudio José
dos Santos, 37, que há sete anos circula pelas salas
do museu munido de espanador, água e flanelas. Sua
missão: limpar uma média de 40 obras todo santo
dia.
Claudio começou na Pinacoteca fazendo um trabalho
temporário. Esforçado, foi ficando, ficando,
até ficar de vez. "Sonhava estar perto dos quadros
porque na minha cidade não existiam museus", diz
ele, natural de São Bento do Una, (PE).
O trabalho de conservação está para
as obras de arte assim como as vacinas para as doenças.
"A gente se esforça para não ter de chegar
à restauração, que é um processo
muito invasivo", conta Valéria de Mendonça,
responsável por uma verdadeira UTI de quadros e esculturas,
no subsolo do museu
Os "médicos" de plantão do museu passaram
a ficar ainda mais alertas desde a semana passada, quando
aconteceu a abertura da exposição de peças
modernistas da coleção Nemirovsky. Considerada
outro gol de placa do museu, ela ficará temporariamente
na Pinacoteca e tem obras importantes como "Antropofagia",
de Tarsila do Amaral, cujo valor ultrapassa US$ 1,5 milhão.
O trabalho deve aumentar ainda mais em abril, quando começam
as comemorações do centenário. Estão
nos planos uma megaexposição do escultor britânico
Henry Moore (1898-1986) e uma retrospectiva de Almeida Junior,
aquele mesmo de quem a bibliotecária Lucila falou.
A Pinacoteca tem o maior acervo de obras do artista, que retratou
cenas do interior paulista no século 19.
Quem ainda não sabe se estará nas comemorações
dos cem anos é Therezinha, a recepcionista. "Eu
ia sair neste ano", diz ela. "Vivi mais com a Pinacoteca
do que com minha própria família."
Mônica Bergamo
Folha de S.Paulo.
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