|
Até
o fim do ano, o banco Itaú inaugura a sua segunda agência
na avenida Marechal Tito, uma das mais movimentadas do bairro
de São Miguel, na Zona Leste de São Paulo. Mais
adiante, em Lajeado, na divisa com o município de Ferraz
de Vasconcelos, também será aberta outra agência
dentro de dois meses, mesmo prazo para o posto na Vila Rica,
em Aricanduva, entrar em funcionamento.
Com essas três agências, o banco somará
seis novos postos na Zona Leste este ano (os outros estão
na Penha e em Sapopemba). Nada demais, considerando o ritmo
de expansão de um dos maiores bancos privados do país.
O que chama a atenção é o fato de o Itaú,
fundado em São Paulo em 1943, estrear na periferia
da Zona Leste paulistana, em locais que antes nunca tinham
visto a sua bandeira. De 2004 para cá, o número
de agências na região cresceu 52,5%, somando
61.
O Itaú não é exceção.
Cresce o número de empresas que se dedica a desbravar
os bairros mais pobres da Zona Leste da capital paulista,
onde a renda per capita média é inferior a R$
690 ao mês - a média da cidade é de R$
1.016.
Klabin Segall, Sonda Supermercados, Drogaria São Paulo,
Dicico, Ikesaki e Lojas Marisa são algumas das companhias
que desembarcam em bairros como São Miguel, Itaim Paulista,
Guaianazes, Jardim Iguatemi, São Mateus e Ponte Rasa.
Outras grandes varejistas, a exemplo de Extra, C&A, Casas
Bahia e Pernambucanas, aproveitam a inauguração
no próximo dia 7 do Shopping Metrô Itaquera,
o primeiro do bairro, para expandir seu espaço na Zona
Leste. Ao todo, 200 lojas devem começar suas operações
no shopping, administrado pela Ancar, que investiu R$ 180
milhões e espera faturar R$ 500 milhões no primeiro
ano.
O maior poder de compra da população é
o que vem atraindo as grandes empresas. Segundo o IBGE, o
aumento do salário mínimo de quase 70% nos últimos
onze anos, já descontada a variação do
IPCA, favoreceu especialmente os consumidores de baixa renda.
Em São Paulo, a maior parte deles se encontra na Zona
Leste - das 10 subprefeituras da cidade com menor renda per
capita, seis pertencem a esta região.
O que contribui para que este contingente de consumidores
de baixo poder aquisitivo ganhe relevância nos planos
do setor privado é o seu tamanho: a Zona Leste concentra
37% da população paulistana, ou seja, quatro
em cada 10 pessoas da cidade moram lá.
Klabin Segall, Sonda Supermercados, Drogaria
São Paulo, Dicico, Ikesaki e Lojas Marisa investem
no novo pólo de consumo
"Esta região da cidade também é
a mais bem atendida pelo metrô, o que faz com que os
usuários do transporte público transitem mais
entre as diversas regiões e estejam expostos às
diferentes marcas", diz Renato Meirelles, sócio-diretor
da empresa de pesquisas Data Popular, especializada no consumo
das classes C, D e E. "Se o seu bairro oferece o que
antes ele só conseguia comprar no centro, é
natural que este consumidor privilegie o comércio da
sua vizinhança."
A rede de supermercados Sonda, dona de 13 lojas na Grande
São Paulo, mostra que quer ocupar este espaço.
Em 2008 abre o seu quinto ponto-de-venda na Zona Leste, na
avenida Rio das Pedras, no Jardim Aricanduva, com investimento
de R$ 25 milhões. A empresa já concorre com
o pequeno varejo nos bairros da Vila Prudente, Itaim Paulista,
Tatuapé e Penha, onde já tem lojas. "Interessa
competir em mercados que não estejam tão saturados
quanto as zonas centrais, onde a briga é intensa",
diz Roberto Moreno, diretor financeiro do Sonda.
A loja da rede no Tatuapé, segundo Moreno, registrou
em setembro um aumento real da receita de 10,8% em comparação
ao mesmo mês do ano anterior, acima da média
do setor, de 6,4%. "É uma prova de que, se os
moradores tiverem boas opções de compras perto
de casa, não vão se contentar com o mercadinho
da esquina, muito menos se deslocar quilômetros até
um hipermercado", afirma. Mesmo porque, diz Moreno, o
consumidor da Zona Leste está cada vez mais exigente:
quer lojas com ar condicionado, forro de gesso e piso de granito.
Além disso, o Sonda vem procurando adequar o mix da
região ao gosto dos clientes. "São muitos
os churrasqueiros de fim de semana, que compram picanha e
filé mignon", lembra Moreno.
A expansão de grandes empresas na periferia promete
uma boa disputa com os pequenos comerciantes locais. Meirelles,
da Data Popular, lembra que os empreendedores da Zona Leste
cresceram investindo na base da pirâmide e não
se interessam em deixar a região, onde formam uma nova
classe de emergentes. "Eles têm bolso de classe
A e cabeça de classe C", diz Meirelles. "Aprenderam
bem o perfil do público, sabem que a maioria é
formada por migrantes, filhos ou netos de migrantes, nordestinos
na maioria". Nesses locais, diz, o boca-a-boca pesa mais
porque as pessoas se conhecem e confiam umas nas outras.
A despeito da sua alta densidade demográfica, a Zona
Leste sempre passou ao largo das metas de expansão
do setor privado. Até pouco tempo atrás, os
empresários da maior cidade da América do Sul
só tinham olhos para o chamado "centro expandido",
região que fica entre os rios Pinheiros, Tietê
e Tamanduateí e que, não por acaso, concentra
a melhor oferta de infra-estrutura e o mais alto nível
de renda per capita de São Paulo (nesse quesito, quem
lidera é o bairro de Pinheiros, na Zona Oeste, com
média mensal de pouco mais de R$ 4 mil por morador).
Na Zona Leste, o setor privado só se interessava em
abrir franquias, lojas próprias ou agências nos
bairros mais próximos do centro, como Mooca, Tatuapé,
Penha e Aricanduva, que têm as melhores rendas per capita
da região. Mas, o desprezo pela parte mais pobre da
Zona Leste parece ser coisa do passado. "O leste e o
sul da cidade crescem três pontos percentuais acima
da média da capital", diz Geraldo Monteiro, diretor
da rede Extra na Grande São Paulo. Na Zona Leste, o
Extra começou a oferecer produtos de maior valor agregado,
como TVs de plasma e LCD.
Assim como o concorrente Sonda, a rede vem registrando na
região forte demanda por produtos perecíveis,
como carne, aves e refrigerados. "O aumento gradativo
da renda e a participação dos moradores em programas
sociais do governo respondem pelo consumo maior", diz
Monteiro, que aponta o novo shopping de Itaquera como reflexo
desse aquecimento. Para 2008, estão previstas pelos
menos mais duas lojas do Extra na região.
Especialista no consumo da classe C, a Casas Bahia atesta
o poder de compra da Zona Leste, onde estão quase um
terço das 90 lojas da varejista na capital paulista.
"Depois da loja do centro de São Paulo (no prédio
do antigo Mappin, na Praça Ramos), as que mais vendem
são as duas unidades do Shopping Aricanduva",
diz Michael Klein, diretor executivo da rede, que não
perde uma inauguração de shopping - há
novas lojas da Casas Bahia no Boulevard Tatuapé e no
futuro Shopping Itaquera. Klein é cético, no
entanto, quanto ao aumento do poder de compra vinculado a
programas assistenciais. "Não abrimos loja na
região por causa do Bolsa-Família, mas pelo
tamanho da população", diz ele, sem esquecer
outras duas qualidades desse público, essenciais para
qualquer varejista. "São trabalhadores e pagam
em dia".
Daniele Madureira e Tainã Bispo
O Valor Econômico. |