|
A
equipe de atendimento na área da Internet é
formada por sete homens e quinze mulheres. A maioria com idade
inferior a 30 anos e possuem experiência em outros callcenters
com o serviço do atendimento. Cinco operadores são
casados: três mulheres e dois homens. Uns são
mais comunicativos, outros nem tanto.
As mulheres que possuem curso superior pouco falam em sair
do banco para oportunidades na área de formação.
Transformam o serviço do atendimento em um complemento
à renda familiar. No setor, a área de formação
dos operadores são:
turismo, direito, enfermagem, publicidade, administração
de empresas, secretariado executivo, ciências da computação,
engenharia da computação, pedagogia, letras,
história e jornalismo.
A supervisora do setor foi promovida ao cargo há aproximadamente
um ano. Anteriormente exercia a função de operadora
de atendimento no próprio setor da Internet. Já
havia ocupado o posto de backup da supervisão em algumas
oportunidades e também já esteve à frente
de uma equipe na ausência da supervisão em outras
ocasiões. Veste-se bem, na maioria das vezes com “terninho”,
fala pausado e escreve corretamente. Caminha de forma compassada,
sorri e fala bom dia pela manhã. Porém, no decorrer
do dia, pouco se comunica com os operadores além de
algum assunto pertinente ao trabalho. A própria coordenadora
diz que Marta é toda “certinha”. “Sei
como ela é. Estou procurando conversar bastante com
a Marta. A coisa mais difícil é conseguir tirar
um sorriso dela”, conclui a coordenadora.
A supervisão disse a uma colega operadora. “Ao
conversarmos na mesa (fora do atendimento), vamos evitar ao
máximo falar alto, ficar sorrindo, pois pode ser que
algum diretor do banco tenha a impressão de que não
estamos trabalhando esim batendo papo”, concluiu a supervisora.
Os cuidados são tomados em excesso; as ordens recebidas
pelos diretores do banco em hipótese alguma são
contestadas ou mesmo argumentadas, por mais que não
concordem com o procedimento recebido.
A informação repassada aos operadores é
realizada sem que nenhuma modificação ou transformação
desse conteúdo seja providenciada. Ocorreu uma reunião
feita pela supervisão, na qual foi nos as novas normas:
traje social todos os dias - por ordem do banco -, exceto
às sextas-feiras.
Existem processos seletivos (vagas internas) e os operadores
se inscrevem; alguns já são eliminados na análise
do currículo, sem que tenha o direito a concorrer à
dinâmica (segunda etapa). Concorri a uma vaga interna
que preenchia todos os pré-requisitos solicitados pela
área. Alguns dias depois recebi a informação
da supervisão que minha “ficha” não
daria seqüência ao processo, pois havia sido eliminada
pela análise do currículo. Pedi explicações
à supervisão, para que verificasse junto ao
setor responsável quais foram os critérios utilizados,
já que outros operadores que não possuíam
todos os pré-requisitos foram aprovados para a dinâmica
dessa mesma oportunidade.
“Não sei se consigo um feedback da área.
Vou tentar, mas não posso garantir que eles vão
passar essa informação para candidatos que foram
eliminados nesta primeira etapa”, disse a supervisora.
A discussão sobre os procedimentos instruídos
aos operadores (se são adequados ou não), fica
limitada à conversas entre os próprios operadores
nos momentos de pausa ou na saída da empresa. Essas
conversas servem mais como desabafos, pois
em muitos casos, a resposta que se precisa não vem,
persistindo as dúvidas. Com o passar dos dias estes
acontecimentos vão sendo esquecidos e substituídos
por outros.
Em uma conversa que tive com a coordenadora, ela disse ter
ficado surpresa quando soube que a supervisora do setor aceitourealizar
determinado procedimento sem dizer nada. “Como você
aceitou que este procedimento fosse feito assim?” -
disse a
coordenadora à gestora da área. “Mas ninguém
falou que eu poderia...” - respondeu a supervisora.
“Quem disse que você não pode questionar?”,
retrucou a coordenadora.
A falta de questionamentos da supervisão sobre alguns
procedimentos solicitados pela empresa influencia diretamente
nas atividades de atendimento do operador, pois sentem que
não podem opinar, restando-lhe apenas acatar todas
as ordens recebidas. Inúmeras solicitações
dos diretores do banco são compreensíveis (falar
baixo para não atrapalhar o colega ao lado, cuidados
com a higiene do posto de atendimento ou em não utilizar
o telefone celular em momentos que todos os colegas estão
em atendimento). Porém, há outras solicitações
que certamente poderiam ser moldadas pelos supervisores. Basta
apenas utilizar a mesma empatia e bom senso que os próprios
operadores são avaliados na monitoria.
No trabalho do callcenter não há a menor possibilidade
do operador atender os clientes com sorriso na voz, cordialidade
e concentração sem que haja um ambiente de trabalho
favorável para isso. Deve haver uma integração
na equipe, uma sintonia
entre operadores e supervisores. Conversas e trocas de experiências
de vida entre os trabalhadores são válidas para
que o relacionamento na equipe seja transparente, ou seja,
saber quem é quem, quais são os gostos e costumes
de cada trabalhador que diariamente desprendem um período
de seus dias para estarem
naquele ambiente.
O bom relacionamento entre os colegas de trabalho em um callcenter
é uma das ferramentas principais para o pleno exercício
dessa função, caso contrário, fica praticamente
impossível realizar uma atividade em que as pessoas
não se comuniquem umas com as outras.
Alguns supervisores são mais abertos ao diálogo,
querem saber o que se passa com cada um dos operadores, além
da esferado trabalho. Outros supervisores vêem o ambiente
de trabalho com algumas restrições, temem ser
prejudicados por falar algo
que possa desagradar aos diretores do banco e restringe-se
à conversas relacionadas ao trabalho e nada mais.
Este foi o ponto alto das reclamações feitas
pelos operadores da equipe depois de alguns meses de trabalho
com a supervisora atual. Foi realizada uma reunião
entre os operadores e a supervisão dos dois períodos
(manhã e tarde) para discutirmos o assunto. Os operadores
falaram o que estava incomodando.
O pouco tempo no cargo até aquele momento da supervisora
atual deixava dúvidas se algumas atitudes tratavam
de uma natureza própria ou se representava um período
de adaptação, devido a toda transformação
recente ocorrida a ela com o novo cargo e ambiente de trabalho.
O relacionamento entre a supervisão e os operadores
tiveram uma melhora significativa depois de alguns meses de
trabalho. Mesmo que discretamente, a supervisora esboçava
um sorriso, fazia brincadeiras e até mesmo se esforçava
para se envolver em alguma conversa que acontecia. Porém,
de um modo geral, a falta de vibração, motivação
e principalmente apoio aos operadores nos momentos cruciais
tornavam o clima na equipe pouco amistoso. Há um canal
de comunicação no banco que pode ser utilizado
por todos os trabalhadores, para que todos expressem abertamente
suas opiniões sem restrições, pois a
notificação pode ser feita de forma anônima.
As mensagens são depositadas em uma urna e recolhidas
pelo setor responsável, que faz a análise para
futuras publicações. As informações
são veiculadas no site da comunicação
da empresa, que pode ser acessado por todos os
funcionários.
As mensagens são das mais variadas possíveis:
reclamações de supervisores, da organização
do trabalho, insegurança com o local de trabalho, falta
de limpeza nos banheiros, sugestões, elogios aos supervisores,
operadores, etc.
Três reclamações foram feitas de forma
sucessivas ao setorda Internet. Analisadas pelo setor responsável,
as reclamações não foram publicadas porque
as denúncias anônimas não continham informações
suficientes para justificar a veracidade da história.
Tratava-se de reclamações direcionadas a alguns
operadores do setor, dizendo que são grosseiros e que
se negam a atender os clientes.
O setor da Internet recebe consulta de outros operadores dos
demais setores da empresa para sanar dúvidas de acesso,
além do atendimento aos clientes. Por esta razão,
os operadores foram chamados individualmente pela supervisão
para conversar sobre o assunto. “Mesmo não procedendo,
não fica bem para a equipe receber este tipo de reclamação,
pois todos os diretores do banco tiveram
acesso ao ocorrido”, disse a supervisora da área.
Um operador que teve seu nome incluso na reclamação
anônima estava tremendo de raiva e dizendo que não
sabia se conseguiria atender naquele dia. Os próprios
colegas de trabalho tentam “puxar o tapete” de
outros, muitas vezes sem motivo.
“Trabalhamos no mesmo local, recebemos o mesmo salário,
estamos todos juntos no mesmo barco. Por que a pessoa não
se propõe a resolver o problema pessoalmente? Posso
ter errado, por que não? Mas sem saber do que se trata
fica difícil aceitar”,
disse o operador que recebeu a reclamação.
Porém, o maior problema não é este. O
que acontece é que qualquer pessoa pode utilizar deste
meio para acusá-lo. Acontecendo, você já
é chamado pela supervisão para se explicar de
algo que nem sabe por certo o que é. Não existe
defesa alguma
por parte da supervisão; nada é dito ao seu
favor, tranqüilizandoo. Parece que simplesmente decidem
- mesmo que sem provas - que você é o errado
na história.
Chamam-nos para conversar e dizem sobre o ocorrido com um
ar de espanto, dizendo que a reclamação chegou
aos diretores do banco e mesmo que não tenha sido procedente,
esta situação não é boa para você
e para a equipe.“Sabe por que existe este meio de comunicação
para fazer reclamações anônimas na empresa?
Porque os supervisores não conversam com os operadores.
Não há diálogo. Se houvesse, tudo se
resolveria e não precisaria disso”, disse uma
coordenadora do callcenter.
Em uma conversa com a supervisão, ela me disse que
ocupa essa função porque sempre ouviu nos feedbacks
de outros supervisores (quando ainda era operadora) que possuía
o perfil para o cargo. Porém, o que se observa no setor
e o que é discutido pela maioria dos operadores é
exatamente o inverso destes feedbacks. Há uma frieza
no ar, um distanciamento entre a supervisão e os operadores
que tornam o ambiente fragmentado e envolto de insatisfações
veladas.
Segundo a médica do trabalho Margarida Barreto, doutora
em Psicologia Social pela PUC/SP, “o que é necessário
na organização do trabalho é que haja
clareza de como os processos são realizados e mais
respeito entre as pessoas”. Executar trabalhos operacionais
como: elaborar planilhas, acompanhar o relatório diário
dos operadores, realizar treinamentos, qualquer pessoa faz.
“O diferencial de um gestor é o relacionamento
com a equipe de trabalho. O gestor deve saber quem é
cada um deles, o que pensam, quais são os seus objetivos,
se estão felizes com o que fazem. Isto é o que
justifica o trabalho de um supervisor e o que motiva os operadores
de uma equipe”, diz a coordenadora do callcenter.
Segundo o professor da Uniban59 (doutor em Psicologia Social),
Arílson Pereira da Silva: “A chefia funciona
como uma bússola ou como um ponto de equilíbrio.
Bons chefes - aqueles que sabem liderar - são peças
importantes para um ambiente de trabalho estimulante, saudável
e criativo. Ao passo que chefes ruins e despreparadosperdem
em produtividade, criatividade e em resultados. Como fruto,
atrapalham a empresa e pioram a vida de seus subordinados”.
Há outros supervisores que contradizem o modo de receber
e repassar as instruções ao “pé
da letra” como uma maneira mais adequada para se trabalhar
no callcenter. Ao receberem determinado procedimento da empresa,
procuram transformá-lo
em algo mais próximo da realidade do setor que atua.
Ao mesmo tempo, não se distanciam das exigências
solicitadas pela empresa e da realidade na equipe.
A incompatibilidade entre os supervisores para lidar com uma
mesma situação é o que distingue esses
profissionais, como ocorreu no procedimento sobre o caderno
de anotações. Todos os supervisores receberam
as instruções dos diretores do banco e repassaram
aos respectivos operadores, que, agradando ou não,
tiveram que cumprir as ordens. Porém a diferença
deste procedimento está na forma como essa orientação
foi cumprida. As informações podem ser apenas
retransmitidas, pairando
a atenção apenas ao que foi solicitado pela
empresa, sem nada questionar; ou podem ser remodelas e retransmitidas
de acordo com as características de cada equipe, satisfazendo
ambos - empregador e empregado.
Um supervisor da central de atendimento adotou o mesmo procedimento
aos operadores, porém com um método diferente.
Em vez de anotar todas as pausas (banheiro, lanche, outras
atividades), solicitou aos operadores que anotassem apenas
as ocorrências dos registros abertos no atendimento
(o número de
protocolo).
Ciente desse fato, uma colega da Internet questionou a supervisora
sobre as diferentes versões que estavam sendo adotadas
ao mesmo procedimento pelos supervisores do callcenter. “Vou
verificar essa informação e já lhe informo”,
disse
a supervisão à operadora.“Recebi os “caderninhos”
e disse aos operadores que só adotaria o novo método
se fosse realmente necessário”, disse o supervisor.
Em resposta à operadora do setor, a supervisora considerou
que o sistema adotado por ele estava errado e que nós
deveríamos seguir o que nos foi passado pela gerência.
Capítulo 31 do livro
Linha de Frente - os bastidores do telemarketing, escrito
por Júnior Barreto
|