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Pressionada pela escassez de mão-de-obra qualificada
no Brasil, a Vale do Rio Doce prepara-se para buscar profissionais
no exterior. A empresa fechou parceria internacional para
mapear a disponibilidade de trabalhadores qualificados em
dez países do Leste Europeu, além de Turquia
e Filipinas. Com presença em mais de 30 países,
a multinacional busca recursos humanos para atender suas demandas
no Brasil e em outras partes do mundo.
"Estamos buscando fontes alternativas de mão-de-obra.
Há demandas no Canadá (onde a Vale é
dona da Inco, maior produtora mundial de níquel), na
Indonésia, na Austrália. No Leste Europeu, há
mão-de-obra educada, fluente em duas, três línguas",
disse ao Valor Cíntia Magno, coordenadora de seleção
de carreiras da Diretoria de Recursos Humanos da Vale.
Segundo o Ipea, há, em 2007, apenas na indústria
extrativista mineral, déficit de 20,8 mil trabalhadores
qualificados e com experiência - no total do país,
a diferença entre oferta e demanda é de 193
mil. Além do setor de mineração, que
inclui a indústria petrolífera, os mais carentes
são os de química e petroquímica, produtos
de transporte e mecânicos. A possível importação
de mão-de-obra, tema polêmico em Brasília,
é apenas uma das respostas da Vale à escassez
de pessoal qualificado.
O investimento na formação de pessoal no mercado
interno ainda é a principal estratégia da Vale
e de outras companhias brasileiras. Em 2008, a Vale deverá
contratar, apenas no mercado brasileiro, 7 mil novos funcionários.
Do total, ela demanda pelo menos 500 engenheiros e 60 geólogos.
É aí onde está a maior dificuldade.
A mineração viveu um boom no Brasil no início
dos anos 70, mas, assim como a maioria dos outros setores,
praticamente estagnou nas duas décadas seguintes. Durante
esse recesso, os geólogos e engenheiros de minas envelheceram
e os jovens perderam interesse nessas profissões. Além
disso, a mineração, considerada nociva ao meio
ambiente, perdeu visibilidade e apelo.
Em 2002, motivado pelo forte crescimento chinês, o
setor tomou novo impulso. "O boom agora é mais
agudo que o dos anos 70 e o Brasil entrou nele graças
às reservas minerais", explica Paulo Camillo Penna,
presidente do Instituto Brasileiro de Mineração
(Ibram).
Entre 2000 e 2006, o PIB mineral brasileiro cresceu 200%.
O aquecimento do setor ocorre no momento em que profissionais
do mercado estão se aposentando e a carência
de mão-de-obra, especialmente nas áreas técnicas,
é generalizada. "É um fenômeno mundial.
A gente vê países desenvolvidos, em estágios
mais avançados que o Brasil, como Austrália,
EUA e Canadá, enfrentando o mesmo problema", afirma
Cíntia.
Durante as décadas de 80 e 90, com a retração
da economia, os engenheiros procuraram outras profissões.
Uma boa parte foi parar na área de tesouraria dos bancos.
O desinteresse pela profissão criou uma situação
incômoda para o país: segundo dados levantados
pela professora Virgínia Ciminelli, do Departamento
de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da UFMG, a
proporção de engenheiros no Brasil é
de cinco para cada mil trabalhadores, enquanto na média
mundial varia de 15 a 25. Outro problema é a concentração
de estudantes em engenharia civil - 45%, face a 14% nos EUA.
Uma idéia das dificuldades enfrentadas pela Vale está
no banco de currículos que a empresa mantém
na internet. Lá, mais de 400 mil pessoas se inscreveram
à procura de uma oportunidade, mas, do total, menos
de 5% são engenheiros. No caso dos geólogos,
a proporção é ainda menor - apenas 0,1%.
"A solução é formar, trazer pessoas
para cá que tenham uma formação básica
e investir na capacitação e especialização",
ensina Cíntia. Segundo ela, em 2008, a Vale oferecerá
330 vagas em cursos de pós-graduação
- em 2007, foram 300. Além disso, a empresa faz intercâmbio
de especialistas com suas unidades no exterior e financia,
para funcionários mais qualificados, cursos específicos,
como o de economia minerária, na Escola de Minas de
Paris.
A Vale não está sozinha. Há forte mobilização,
tanto das empresas quanto das entidades que as representam
e do Sistema S (Senai e Sesi), para enfrentar a ameaça
da falta de mão-de-obra, que, no limite, pode frear
a expansão da economia nos próximos anos. É
uma corrida contra o tempo. Responsável por cerca de
90% do setor de gás e petróleo no país,
a Petrobras planeja investir anualmente, entre 2008 e 2012,
cerca de US$ 20 bilhões, 3,5 vezes o que investiu no
período 2003-2007.
Com base na expansão dos investimentos, a estatal
calcula que o setor de gás e petróleo necessita
qualificar 112 mil profissionais até 2009. A tarefa
está a cargo do Programa de Mobilização
da Indústria Nacional de Petróleo e Gás
Natural (Prominp), criado em 2003 pelo governo a partir de
uma provocação do presidente Lula: "Por
que não fazer a plataforma P-52 no Brasil?". Diante
do desafio, governo e Petrobras criaram o programa, voltado,
segundo seu coordenador-executivo, José Renato Pereira
de Oliveira, para a substituição competitiva
de importações.
"Não basta sinalizar demanda que o mercado vai
automaticamente suprir isso. Não vai", sustenta
Oliveira, que é funcionário da Petrobras. "Temos
gargalos importantes na área de pessoal. Faltam operadores
de sonda de perfuração de produção,
soldadores, inspetores, encarregados, engenheiros de todas
as formações (elétrico, de produção,
civil etc)."
O Prominp foi desenhado para capacitar 175 categorias profissionais,
sendo 45 de nível superior, 78 de nível médio
e 42 de básico, em 17 Estados. O coordenador-executivo
explica que o público do programa não são
apenas funcionários da Petrobras, mas principalmente
de seus fornecedores e prestadores de serviços, além
dos empregados das outras operadoras de petróleo. Como
se trata de programa do governo federal, os cursos são
gratuitos e os estudantes sem vínculo com as empresas
têm direito a bolsa-auxílio mensal que vai de
R$ 300 a R$ 900,00.
Graças à autorização especial
da Agência Nacional de Petróleo (ANP), que permitiu
à Petrobras deduzir os investimentos da obrigatoriedade
legal de aplicar, em pesquisa e desenvolvimento, 1% das receitas
dos poços com participações especiais,
a estatal gasta R$ 300 milhões com o Prominp. "Se
não conseguirmos capacitar esses profissionais, não
vamos conseguir fazer tudo o que programamos. Temos tido alguma
dificuldade em achar pessoal qualificado, sim, mas ela será
muito maior daqui em diante. Ainda não deixamos de
tocar um projeto por falta de gente, mas estamos no limiar
de ter que parar", reconhece Oliveira.
O Sistema S também se mobiliza para responder ao desafio
da mão-de-obra. Segundo o presidente da Confederação
Nacional da Indústria (CNI), deputado Armando Monteiro
Neto, que também preside o Serviço Nacional
de Aprendizagem Industrial (Senai) e Serviço Social
da Indústria (Sesi), as duas entidades aumentarão
em 30%, no quadriênio 2007-2010, o número de
matrículas de seus cursos. A meta é educar e
treinar 16,2 milhões de trabalhadores e modernizar
escolas e laboratórios. O investimento é de
R$ 10,5 bilhões para os quatro anos, sendo que R$ 400
milhões para investimento em equipamentos podem ser
antecipados pelo BNDES. O pedido já chegou ao BNDES
e o presidente do banco, Luciano Coutinho, vê a solicitação
com simpatia.
O que poucos sabem é que o Sesi e o Senai mantêm
escolas de primeiro e segundo graus, destinadas a educar e
a promover reforço pedagógico de trabalhadores.
Das 16,2 milhões de vagas, 7,1 milhões estão
no âmbito da educação básica e
secundária. O restante diz respeito ao treinamento
profissional , sendo que 8,6 milhões são para
a formação inicial e continuada de trabalhadores,
482 mil para educação técnica de nível
médio e 32.690 para o ensino superior.
"Os novos perfis profissionais têm como limitação,
no processo de habilitação da mão-de-obra,
o problema do nível baixo de escolaridade, de deficiência
na educação básica. A economia está
demandando gente com mais escolaridade e há um déficit
nessa questão. Estamos diante de um quadro difícil",
reconhece o presidente da CNI. "Nosso planejamento está
sendo orientado pela medição da demanda. O programa
é concebido da estrutura regional para a nacional,
que consolida as metas."
Um exemplo é Pernambuco. O Estado vive um renascimento
econômico, após décadas de estagnação.
A construção de uma refinaria da Petrobras -
possivelmente em parceria com a venezuelana PDVSA - motivou
um grupo de construtoras a instalar um estaleiro no Estado.
Em pouco tempo, descobriu-se que a região carece de
técnicos de nível médio para trabalhar
nas obras. Em resposta a isso, o Senai instalou um centro
de tecnologia em soldagem e ampliou a unidade que dá
suporte a Suape.
O movimento do Sistema S acontece num momento em que sua
legitimidade voltou a ser questionada, especialmente a forma
de financiamento - uma contribuição parafiscal
que chega a 3,1% da folha de pessoal. Em geral, o empresariado
reconhece sua importância. "O Senai é a
principal fonte de qualificação profissional.
É o que dá respostas mais imediatas", diz
Nelson Pereira dos Reis, vice-presidente da Associação
Brasileira da Indústria Química.
O ex-ministro do Trabalho Edward Amadeo desconfia tanto da
eficácia do Sistema S quanto dos programas de qualificação
do governo. Para o economista, hoje sócio da Gávea
Investimentos, "o melhor treinamento é dado pela
própria empresa, ainda mais quando se trata do treinamento
para tarefas específicas. O que a empresa precisa é
de trabalhadores que sabem aprender. Portanto, o melhor curso
de ´qualificação profissional´ é
o oferecido pelas instituições acadêmicas
- escolas e faculdades -, que ensinam os trabalhadores a aprender".
Cristiano Romero
Valor Econômico.
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