Queda
de 10% no número de crianças que vivem com mães
solteiras reduziria em 5,1% os homicídios
A gravidez indesejada é uma causa muito mais importante
dos crimes violentos no Estado de São Paulo do que
a desigualdade ou outros indicadores econômicos. Esta
é a conclusão de um trabalho do economista Gabriel
Hartung, em etapa final de elaboração. O estudo
foi realizado com base na análise estatística
de dados demográficos e econômicos de 643 dos
645 municípios de São Paulo.
O levantamento partiu do famoso estudo do economista americano
Steven Levitt - autor do best-seller Freakonomics - que demonstrou
a ligação entre legalização do
aborto nos Estados Unidos e a queda da criminalidade duas
décadas depois. Como no Brasil o aborto é ilegal
e não há estatísticas confiáveis
sobre o assunto, a opção de Hartung foi a de
examinar os indicadores de mães adolescentes e solteiras.
A relação entre gravidez indesejada e o fato
de a mãe ser solteira ou adolescente já foi
exaustivamente comprovada.
Mas os resultados do trabalho mostram que uma queda no número
de crianças vivendo com mães solteiras diminuiria
a taxa de homicídios três vezes mais do que reduções
idênticas na desigualdade - e quatro vezes mais do que
uma aceleração equivalente do crescimento econômico.
Assim, uma queda de 10% no número de filhos criados
por mães solteiras provocaria uma redução
de 5,1% na taxa de homicídios. Já uma diminuição
de 10% na desigualdade reduziria a taxa de homicídios
em apenas 1,7%. E uma aceleração de 10% no ritmo
de crescimento econômico teria um efeito de 1,2% sobre
os homicídios.
Segundo o pesquisador, o trabalho aponta o controle de natalidade
como instrumento fundamental para o combate à criminalidade
no Brasil. Pessoalmente, ele também defende a descriminalização
do aborto. ?O meu estudo é uma evidência de que
a gravidez indesejada aumenta o crime?, diz Hartung, que faz
doutorado na Escola de Pós-Graduação
em Economia (EPGE) da Fundação Getúlio
Vargas (FGV), no Rio.
Ele explica que o canal entre a gravidez indesejada e o crime
violento é a criação dos filhos em um
ambiente familiar deteriorado, que tipicamente consiste num
lar chefiado por uma mulher sem marido ou companheiro, que
muitas vez deu à luz na adolescência. Dessa forma,
essas crianças têm probabilidade maior de se
tornarem criminosas quando chegarem à adolescência
ou à juventude.
E o problema tende a piorar. A proporção de
mães com menos de 17 anos saltou 45%no Brasil, entre
1991 e 2000, e os domicílios chefiados por mulher aumentaram
38%nesse período. O pesquisador observa que ?reduzir
o número de mães solteiras, por meio de uma
política pública, é provavelmente muito
mais fácil do que conseguir diminuição
equivalente da desigualdade?. De 1997 a 2005, o Brasil obteve
melhora da distribuição de renda substancial,
que chegou a ser saudada como ?espetacular? por alguns economistas,
como Ricardo Paes de Barros, do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea). Essa queda da desigualdade foi de 5,4%.
Segundo o estudo de Hartung, uma melhora da distribuição
desta magnitude em São Paulo tem um efeito na taxa
de homicídios de 0,9%. A experiência histórica
brasileira e internacional indica, por outro lado, que reduções
de desigualdade daquela intensidade normalmente só
ocorrem ao longo de vários anos. Em outras palavras,
uma política de combate à criminalidade que
focasse exclusivamente na redução da desigualdade
levaria décadas para obter redução perceptível
nos crimes violentos, como homicídios e estupros.
O economista considera que Diadema, um dos municípios
mais violentos de São Paulo, teria em 2000 uma taxa
de homicídios 14,3% menor do que a registrada, se na
década anterior o porcentual de crianças vivendo
com mães solteiras fosse de 16,3%, como em Barretos,
no interior paulista. O índice efetivamente registrado
em Diadema em 1991 foi de 22,9%. A redução da
taxa significaria 70 assassinatos a menos por ano em Diadema.
O objetivo básico desse estudo era buscar as causas
da diferença entre as taxas de homicídios registradas
nos municípios paulistas. Para tanto, Hartung fez uma
análise estatística de vários indicadores
de cada cidade entre os anos de 1999 e 2001, como renda, crescimento
econômico, tamanho do município, escolaridade
média e desigualdade.
Fernando Dantas
O Estado de S.Paulo.
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