Para
especialistas, obras favorecem concentração
no aeroporto, em vez de desafogá-lo; Guarulhos seria
opção se acesso melhorasse
Arquiteto diz que sucateamento de gestão e fiscalização
de obras é paralelo entre tragédias de Congonhas
e do Metrô
Enquanto Cumbica for de difícil acesso -sem transporte
coletivo, à mercê de longos congestionamentos
por uma simples chuva-, Congonhas continuará a ser
favorecido em São Paulo, apesar de não apresentar
segurança.
Arquitetos e urbanistas ouvidos pela Folha confirmam a tese,
acusando as obras de ampliação de Congonhas
de só aumentar o uso de um aeroporto já sobrecarregado,
em vez de desafogá-lo.
Para a urbanista Regina Monteiro, diretora da Empresa Municipal
de Urbanismo e criadora do movimento Defenda São Paulo,
a aviação executiva e seus jatinhos deveriam
ser transferidos para o Campo de Marte, e parte dos vôos
domésticos, a Viracopos. Congonhas só ficaria
com a ponte aérea.
"Só quem nasceu ontem acha que a Infraero aumentou
o terminal em 10.000 m2 apenas pelo conforto dos passageiros.
As grandes empresas e os prédios de luxo que se concentraram
na zona sul nos últimos anos querem continuar a ter
Congonhas por perto", diz.
Mas uma transferência de tráfego para Cumbica
depende de sua acessibilidade. "As distâncias não
se medem mais em metros, e sim em tempo", diz o arquiteto
Fernando de Mello Franco, do escritório MMBB.
"Se houvesse um sistema de mobilidade eficiente a Cumbica,
de trem ou metrô, seria mais viável transferir
as operações de Congonhas para lá, sem
grandes prejuízos no tempo de deslocamento dos seus
usuários", sugere o arquiteto.
Ele acha que as ferrovias "subutilizadas" às
margens do Tietê, Pinheiros e Tamanduateí poderiam
ajudar na ligação com Guarulhos.
"As evidências são que Congonhas não
oferece segurança. Provavelmente seria mais seguro
com uma redução drástica de suas operações."
Sufocando Cumbica
A mesma crônica de construção acelerada
e irregular que sufocou Congonhas já se repete em Guarulhos.
"Basta ver que o entorno de Cumbica se adensa em uma
velocidade surpreendente, em uma das áreas de maior
favelização de São Paulo", diz Mello
Franco.
Segundo Regina Monteiro, que é filha de aviador e é
vizinha de Congonhas desde que nasceu, há 50 anos,
o sufocamento de Cumbica se acelerou no final dos anos 60.
Ela diz que as pessoas reclamam do barulho, "mas a maioria
dos que moram lá foram quando o aeroporto já
existia e era movimentado".
Como costuma se repetir na história paulistana, especulação
imobiliária e a concessão de alvarás
sem planejamento deixaram Congonhas sem área para respirar,
a área de escape necessária ontem para que o
avião não chocasse com um prédio.
"Quando a prefeitura breca uma obra, o Departamento de
Aviação Civil autoriza, e vice-versa. E assim
o aeroporto ficou sufocado", acusa Monteiro.
Metrô
O arquiteto Mello Franco também traça um paralelo
entre a tragédia nas obras do metrô, em janeiro
último, quando as empreiteiras que executavam a obra
eram as mesmas responsáveis em fiscalizá-las,
e não o governo.
"Parece que parte do problema é que a obra da
pista estava incompleta, sem as ranhuras. Isso demonstra negligência
de quem construiu, de quem geriu e de quem deveria fiscalizar
a obra", acusa.
"Há um sucateamento da construção
civil. As formas de contratação de serviços
e projetos pelo menor preço, sem controles, como se
fosse papel higiênico. Segurança não é
commodity. A tragédia do metrô aconteceu pelo
mesmo sucateamento", diz.
Raul Juste Lores
Folha de S.Paulo.
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