Leia sobre bairros criativos na matéria abaixo, publicada
em 2006 no jornal
Folha de S.Paulo:
Cultura
rende muito dinheiro, afirma ex-ministro
de Blair
No Reino Unido, a cultura movimenta 7% do PIB. Em Londres,
a chamada indústria criativa (de moda a galerias de
arte, de entretenimento a arquitetura e design) já
é a segunda mais importante, após o mercado
financeiro.
O British Council trouxe na semana passada a São Paulo
um dos maiores responsáveis em transformar política
cultural em prioridade de governo e grandes investidores.
Ministro da Cultura de 1997 a 2001, no primeiro mandato de
Tony Blair, Chris Smith fez um mapeamento inédito do
mundo cultural no país, que mostrou sua força
a fim de arrancar mais verbas do ministro da Economia, Gordon
Brown, futuro premiê britânico.
Smith conseguiu que lucros da loteria do governo financiassem
as artes e instituiu entrada franca nos museus. "Mais
turistas e mais atividade cultural, com mais patrocinadores,
revertem em mais impostos ao governo." Leia trechos da
entrevista que ele deu à Folha.
FINANCIAMENTO
Acesso a empréstimos é fundamental. Os artistas
não falam a língua dos bancos. Eles sabem de
design, não de crédito. Vivem em um mundo mais
caótico, não aprenderam a redigir um "business
plan" [plano de negócios para abrir uma empresa].
São necessários mecanismos para criar pontes
entre os dois lados.
RESPONSABILIDADE
Há empresas que preferem apostar apenas em nomes famosos,
mas acho que, na hora de divulgar sua responsabilidade social,
ela tem de mostrar onde o dinheiro foi investido. Se é
uma empresa responsável, tem de se preocupar pelo tecido
social do país, em ajudar quem tem dificuldades. Colocar
dinheiro só no sucesso garantido não pega bem.
BOM INVESTIMENTO
Ao investir em um artista ou em uma produção,
descubra o valor cultural da iniciativa, se é interessante,
excitante. Ou se é educativa, se colabora com a revitalização
urbana, o que faz pelo resto da sociedade. Em qualquer dos
dois casos, original ou socialmente generoso, já será
um bom investimento.
LEI ROUANET
Isenções fiscais podem ser uma boa idéia,
mas deixam inteiramente ao mercado a decisão de quem
ganha patrocínio. Até certo ponto, isso pode
ser bom, mas também significa que trabalhos novos,
audaciosos ou menos conhecidos terão dificuldade para
conseguir apoio.
O que buscamos é um sistema de financiamento misto.
Apoio estatal direto, filtrado por um corpo profissional;
apoio municipal e estadual; patrocínio privado direto
ou a partir de incentivos. Renda comercial, a partir de ingressos,
cafés e lojas. Ter um balanço dessas fontes
dá fôlego e estabilidade ao financiamento.
BAIRROS CRIATIVOS
Governo deve ajudar a facilitar locais de trabalho a preços
acessíveis. As indústrias criativas criam "clusters"
[conjuntos de empresas de atividades similares], as agências
publicitárias são vizinhas a ateliês de
artistas, de moda, a estúdios fotográficos.
Em várias cidades britânicas, artistas foram
estimulados a se instalar em bairros centrais decadentes,
em lugares espaçosos a preços baratos.
O desafio é que, em dez anos, a área se regenera
demais, os preços sobem e expulsam os artistas novamente.
Como esse problema foi resolvido em algumas cidades? Algumas
prefeituras compram velhos armazéns abandonados, antigos
mercados, restauram e alugam para iniciantes. Quando a empresa
cresce, eles têm de mudar, e o espaço fica vago
para novos empreendedores. Ter espaço disponível
para novos talentos é fundamental.
BALÉ E GOLFE
Antigamente, um empresário patrocinava uma companhia
de balé porque sua mulher gostava, ou uma ópera,
porque seu diretor era colega no golfe. Hoje, isso se tornou
raro. As empresas querem marketing, associar seu nome com
propostas vanguardistas, glamourosas ou de alta qualidade.
CULTURA É ÍMÃ
A vida cultural beneficia as cidades, elas têm os equipamentos
e o clima que atraem as pessoas mais criativas. Quanto mais
vibrante a vida cultural, mais ela atrai pessoas que querem
morar e trabalhar lá, o que provoca um efeito positivo
no mundo dos negócios. Os executivos querem vir a Londres
a toda hora. E abrir escritórios lá. As famílias
deles também querem morar em Londres.
TALENTOS
Precisamos pensar em como o sistema educacional pode descobrir
talentos e preparar carreiras criativas. Como se escreve,
desenha, canta ou dança nas escolas. As crianças
precisam ser encorajadas a desenvolver seus talentos. As faculdades
e institutos de design, moda e artes precisam recrutar esses
talentos nas escolas.
SEM ESTABILIDADE
Notei que os dirigentes culturais no Brasil trocam a toda
hora, de acordo com o clima político. Nessa área,
você precisa de estabilidade, fazer coisas a médio
prazo. Também faltam camadas de profissionais da cultura
que dirijam departamentos sem critérios políticos.
MUSEUS DE GRAÇA
Lutei para que os museus britânicos não cobrassem
entrada, e esse é um dos grandes feitos da minha gestão.
Hoje, quando se pergunta a qualquer turista por que está
visitando o Reino Unido, as respostas sempre giram em torno
das indústrias criativas. O governo britânico
ganha mais dinheiro com os impostos sobre as entradas de teatro
do que investe no setor.
RAUL JUSTE LORES
Folha de S.Paulo
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