Enquanto a maioria das pessoas ainda estará se recuperando
da ressaca do Ano Novo, o recém-formado em ciência
da computação pela Univesidade Federal do Rio
Grande do Sul, Rafael Vanoni, 24 anos, estará embarcando
para uma viagem que poderá decidir seu futuro profissional.
Dia 1º de janeiro de 2008, ele seguirá para os
Estados Unidos para fazer parte da seleta equipe de desenvolvedores
da Sun Microsystems , no Vale do Silício - região
da Califórnia famosa por reunir as maiores companhias
de tecnologia da informação (TI) do mundo. Uma
experiência profissional que poucos conseguem na sua
idade.
Vanoni ficará alocado em uma das principais áreas
da organização, a do sistema operacional Solaris,
que possui código aberto e disputa com o Windows o
milionário mercado de servidores. Assim como ele, alguns
dos melhores talentos brasileiros ligados a atividade de desenvolvimento
de software estão na mira das matrizes de multinacionais
de TI ou de companhias brasileiras que se internacionalizaram
para ocupar posições de destaque. Movimento
que tem criado um novo problema para as empresas de tecnologia,
porque agrava ainda mais a escassez de mão-de-obra
no país.
Se por um lado já existia a escassez de gente para
atender a demanda de novos projetos, agora será mais
difícil substituir quem vai embora fazer carreira internacional
ou participar de algum projeto no exterior. "É
algo bastante preocupante", afirma Antonio Rego Gil,
presidente da Associação Brasileira das Empresas
de Software e Serviços para Exportação
(Brasscom). "O mercado de TI no Brasil cresce 10% ao
ano, acima da média mundial". Ele alerta que 40
mil vagas ficam abertas todos os anos, boa parte ligada a
atividades de desenvolvimento de software.
Escassez que deve piorar quando o modelo "offshore"
- oferta de serviços vendidos por fornecedores localizados
em países emergentes para multinacionais - ganhar fôlego
no país nos próximos anos. A Brasscom prevê
que o Brasil exportará US$ 5 bilhões em softwares
e serviços em 2010. No entanto, para atingir esse patamar,
será necessário formar 110 mil novos profissionais
na área. Uma das iniciativas do governo e da entidade
é a implantação de um projeto para formar
programadores de software de nível técnico.
As empresas associadas à Brasscom - como a Datasul,
CPM Braxis, Itautec e Politec - se comprometeram a contratar,
no mínimo, 10%.
Enquanto as ações para reverter esse quadro
não saem do papel, as empresas tentam driblar o problema
como podem. A CPM Braxis anunciou recentemente a contratação
de 500 profissionais, entre programadores, analistas de sistemas,
gerentes de projetos e arquitetos de sistemas, com conhecimento
em linguagem de programação (Cobol, .Net, Java
e soluções de ERP). Eles atuarão em um
dos 14 centros de desenvolvimento da companhia.
Mas todo mês, segundo conta Veronika Falconer, diretora
de RH da companhia, entre 250 e 300 pessoas ingressam na companhia,
das quais 70%, em média, vão para a área
de desenvolvimento. "Temos 400 vagas em aberto, a grande
maioria na área técnica. E nosso desafio é
achar gente boa o suficiente para atender toda essa demanda
que temos, inclusive, para as unidades no exterior".
Hoje, além do Brasil, a empresa está presente
também nos Estados Unidos, México e Costa Rica.
Veronika reconhece que há dificuldade em achar gente
no mercado, principalmente com domínio de linguagens
de programação mais antigas, como cobol e mainframe,
que deixaram de fazer parte dos programas das universidades.
"Por essa razão, estamos investindo na formação
lá no início que começa com os estagiários
e se estende aos analistas de sistemas júnior",
explica. "Com a escassez de recursos, buscamos o aluno
mais cedo nas faculdades".
Solução que tenta minimizar ainda a exportação
de desenvolvedores para as unidades no exterior. Isso porque
as fábricas de software já atendem a projetos
internacionais sob o modelo "off shore". Cerca de
12 profissionais são enviados por mês para uma
de suas operações fora do país. Além
disso, a CPM Braxis possui um programa específico que
capacita os técnicos, sobretudo no inglês, para
atuar lá fora nos centros de TI dos clientes em Cingapura
(Sudeste asiático), Estados Unidos e Inglaterra.
No Brasil, hoje sobram 40 mil vagas de TI por ano, boa
parte para desenvolvedores de softwares, segundo dados da
Brasscom
"Mas a experiência nos mostrou que é mais
fácil ensinar tecnologia do que inglês para quem
tem formação técnica", ressalta
Veronika. Não raro, a companhia recruta pessoas que
tenham inglês, com raciocínio lógico e
que queiram atuar na área de TI. Busca que envolve
estudantes dos cursos de engenharia e administração
de empresas. Em meio a esse cenário, quem sai ganhando
é o próprio desenvolvedor que viu seu salário
crescer. De acordo com a diretora de RH da CPM Braxis, eles
estão 30% maiores se comparados há cinco anos.
"E é claro que o perfil desse profissional também
mudou. Hoje, ele precisa ter visão de negócios".
De acordo com Ricardo Basaglia, gerente da divisão
de TI da Michael Page, empresas de seleção de
executivos para média gerência, os salários
estão valorizados para profissionais de desenvolvimento,
que sempre tiveram uma remuneração pouco atraente.
Agora, extremamente valorizados chegam a ganhar até
R$ 12 mil mensais. "Principalmente quem é especialista
na área técnica e atua em corretoras ou bancos
de investimento", destaca. Para o consultor, esse aumento
deve-se à dificuldade de retenção de
talentos e à falta de profissionais disponíveis.
"Na área de desenvolvimento, existe um 'boom'
tanto para demandas internas quanto para projeto 'off shore'",
avalia. Basaglia explica que existe uma busca por profissionais
com perfil diferenciado e conhecimentos em diferentes tipos
de indústria. Ele afirma que a bola da vez são
desenvolvedores com experiência na área financeira,
raros de se achar no mercado e que até ganham "hiring
bônus" - salários extras na hora da contratação.
"Certamente, muitos serão disputados para ocupar
posições lá fora".
Na Borland - desenvolvedora de software -, quatro brasileiros
foram levados há alguns meses para a matriz nos Estados
Unidos. No ano passado, esse número dobrou segundo
José Eugênio Braga, vice-presidente comercial
e de marketing da empresa para a América Latina. Ele
diz que se a subsidiária tivesse 30 profissionais técnicos
ligados a área de desenvolvimento para mandar, a matriz
"importaria" todos. "O Brasil sempre foi um
dos principais mercados para a corporação",
afirma.
Atualmente, a empresa conta com uma equipe de 150 pessoas
entre consultores e desenvolvedores. Apesar de toda essa movimentação,
Braga acredita que o país deve se transformar no futuro
em um grande exportador de talentos para a matriz, a exemplo
do que acontece hoje na Índia. Mas o executivo diz
que essa "fuga" de talentos não chega a ameaçar
o escritório local, já que a empresa tem se
preparado para criar substitutos. "Sabemos com antecedência
quem vai embora e formamos sucessores".
Na Totvs - holding que controla a Microsiga, a Logocenter
e a RM Sistemas - dos 200 profissionais que atuam fora do
país - México, Argentina e Chile - 30 são
brasileiros alocados em projetos. No Brasil, há um
total de 500 funcionários e uma vaga de desenvolvedor
é mais difícil de preencher do que a de analista
de sistema. Por enquanto, a companhia continua pretendendo
exportar talentos para suas unidades no exterior como uma
forma de ajudá-las a crescer fora do Brasil. "No
entanto, nossa meta é reforçar as parcerias
com as universidades de cada país onde estamos presentes
para desenvolver talentos locais", afirma Deborah de
Toledo, gerente executiva de RH.
A Makesys, que possui uma fábrica de software em Sorocaba
(interior de São Paulo), dobrou o tamanho da equipe
de desenvolvedores para 100 em um ano e busca programadores
Java para projetos nos Estados Unidos - no início do
ano, mandou dois profissionais para o exterior. Entretanto,
Juliana Bacaro do Amaral, gestora de RH da empresa diz que
é ainda complicado encontrar desenvolvedores que tenham
conhecimento avançado nas linguagens de programação
.Net ou Java no mercado. "E muitos preferem, quando podem,
fazer carreira internacional".
Rafael Zanoni nunca imaginou que sairia tão cedo de
Porto Alegre para atuar fora do Brasil. Contratado em novembro
de 2007 pela Sun, foi um dos 15 estudantes brasileiros selecionados
para fazer parte do programa Embaixadores - criado há
um ano nos Estados Unidos e que visa capacitar 170 universitários
em 29 países - e o único do país a visitar
o CEO (Chief Executive Officer) da companhia, Jonathan Schwartz.
Seu desempenho chamou a atenção da matriz que
fez o convite para ele trabalhar na Califórnia. "É
uma oportunidade de participar de um grande projeto, que eu
jamais teria aqui no Brasil", comemora.
Andrea Giardino
O Valor Econômico. |