Fique
de olho no seu bolso. A nova é que desta vez não
querem tirar nada dele. Tem muita gente, e agora é
gente grande, querendo é colocar algo aí.
Pela primeira vez em décadas, editoras líderes
de mercado se movimentam para investir pesado em um segmento
consolidado há mais de meio século em países
como os Estados Unidos, a Inglaterra e a França: livros
de bolso.
A Companhia das Letras lança no final deste mês
os cinco primeiros títulos de seu selo, o Companhia
de Bolso, a primeira investida maciça da editora no
formato clássico de livros baratos.
Outro projeto, ainda sem data concreta, marcará em
breve a entrada da maior editora de livros não-didáticos
do país no mesmo segmento. Em parceria com uma das
principais empresas do mundo no gênero, a Harlequin
Books, a editora Record também entrará dentro
dos bolsos.
As duas não serão as pioneiras no Brasil, que
teve suas primeiras ações na área com
a "Coleção Globo", lançada
nos mesmos anos 30 em que o formato "pocket" nasceu
nos Estados Unidos empobrecidos pelo Crash de 29. As duas
não serão "pioneiras" hoje, já
que nos últimos anos ao menos uma editora de médio
porte trabalha com sucesso especificamente nesse formato,
a gaúcha L&PM, que já ultrapassa os 400
títulos lançados. Mas a entrada de mais duas
grandes no jogo aponta para a consolidação do
modelo "bom e barato".
A avaliação é de um dos dirigentes da
Câmara Brasileira do Livro Marino Lobello. "Quando
duas empresas que conhecem tudo de marketing editorial entram
nesse segmento, que já vinha apresentando resultados
excelentes com a L&PM, é sinal de que o livro de
bolso finalmente veio para ficar no Brasil", expressa
o vice-presidente da CBL.
Tanto ele quanto editores como Luiz Schwarcz, da Companhia
das Letras, Sérgio Machado, da Record, e Carlos Augusto
Lacerda, da Nova Fronteira, que também tem algumas
experiências na área, relacionam a cristalização
do bolso ao verbete "amadurecimento" do mercado
nacional.
"Historicamente, o livreiro não recepcionava
bem o livro de bolso. Como os exemplares eram mais baratos
ele não demonstrava interesse em receber margens menores
por produto. A experiência da L&PM mostra que isso
mudou", diz Schwarcz, citando a sua concorrente gaúcha,
como faz no folheto que distribui para os livreiros anunciado
o novo selo.
O editor da Companhia diz que sentiu o boicote dos livreiros
aos "pockets" no seu próprio bolso. Em 1993
a editora chegou a tentar implementar o formato com o lançamento
de edições baratas de "Agosto", de
Rubem Fonseca.
O livro não chegou a encalhar, mas a editora embolsou
o projeto de seguir adiante com os "pocket books"
(palavra que apesar da pouca tradição do livro
de bolso no Brasil está há tempos no "Dicionário
Aurélio").
O mesmo "Agosto" é um dos que devem voltar
ao bolso no novo selo da Companhia. O título está
entre os "sete ou oito" que a editora pretende lançar
ainda neste ano no formato.
Rubem Fonseca também faz parte de outra iniciativa
da editora de "barateamento" de seus livros. Um
volume com 64 contos do mestre do policial brasileiro está
na coleção de contos lançados pela Companhia
em 2004.
Assim como nessa série, que inclui, entre outros,
seletas de contos feitas por Italo Calvino, os exemplares
da Companhia de Bolso não têm orelhas, são
impressos em papel de gramatura um pouco mais baixa e têm
direitos autorais negociados com porcentagens menores. Outra
familiaridade das coleções é que suas
capas são obras do mesmo designer, o australiano Jeff
Fischer.
Se na sua coleção a empresa está incluindo
alguns de seus maiores sucessos editoriais, como "Estação
Carandiru", de Drauzio Varella, na aparelhagem de bolso
da Record entrarão títulos inéditos.
A editora HR, nome da joint venture da empresa com a americana
Harlequin, também se diferenciará da Companhia
de Bolso pela faixa de preço em que pretende atuar:
de R$ 4,90 a R$ 9,90 (a concorrente começa operando
entre R$ 16 e R$ 22).
Tanto Record quanto Companhia pretendem fazer com que seus
pockets não fiquem restritos às livrarias. Seguindo
a experiência da L&PM, que tem mais de 1.500 displays
com seus títulos à venda em pontos como bancas
de jornal e supermercados, as duas gigantes deverão
buscar pontos-de-venda alternativos.
"Queremos fazer livros a preços atraentes com
distribuição de massa", diz Sergio Machado,
da Record. Segundo ele, o mercado de livros de bolso "depende
da renda da classe média para florescer". "No
Brasil, devido aos impostos e compromissos fixos, como celular,
internet e TV a cabo, a renda disponível da classe
média anda muito comprimida. Antes era a inflação,
agora é a renda."
Carlos Augusto Lacerda, da Nova Fronteira, que publica títulos
do policial Georges Simenon em bolso em parceria com a L&PM
e que tem coleções pocket de peças de
Nelson Rodrigues e de Antonio Callado, acredita que o mercado
está pronto para o desafio.
"A grande virtude do pocket é o potencial de
massificação. Ele atende a demanda contingenciada
por poder aquisitivo, que não se importa em ler livro
que já saiu há tempos, mas está em edição
digna e barata. A massificação passará
pelo pocket."
A massificação não é vista por
todos como empobrecimento editorial. Fernando Gasparian, da
Paz e Terra, diz que a editora tentou fazer livros "o
mais barato possível" quando começou neste
segmento, em 1995, mas que o público não aprovou
experiências como o papel jornal. "As pessoas não
gostam de coisa muito barata", afirma o editor.
CASSIANO ELEK MACHADO
da Folha de S.Paulo
|