"Tire
essa tranqueira do meio da rua!" Desde que começou
a usar a bicicleta para percorrer o trajeto de casa até
o trabalho --e deste para a faculdade--, Leandro Cascino Repolho,
19, cansou de ouvir absurdos desse tipo. "Os motoristas
de carro em São Paulo são muito impacientes",
diz. "Alguns deles até ficam tentando jogar os
ciclistas na calçada."
Pedalar na capital paulista é de fato um desafio.
Trânsito caótico, ruas esburacadas, motoristas
agressivos... A lista de obstáculos enfrentados por
quem se aventura pelas ruas de bike é grande.
Thiago Grecco Santoro, 12, participa de pedaladas em grupo
pela cidade
Apesar disso, muitos acreditam que as recompensas são
maiores. É o caso de Leandro. Ele garante que só
obteve benefícios desde que adotou as pedaladas como
meio de transporte diário, há três meses.
"Minha estratégia é sempre lembrar de
que não estou fazendo nada de errado", diz. "Pelo
contrário: não estou poluindo o ar, estou praticando
um esporte e contribuindo para diminuir o trânsito",
afirma.
O entusiasmo pelo pedal é tão grande que acabou
virando militância. Toda última sexta-feira do
mês, Leandro participa da Bicicletada, evento que reúne
cerca de 300 ciclistas na avenida Paulista para defender seus
direitos e aumentar sua visibilidade.
Até a universidade do estudante foi intimada a participar
da causa. "Eles não tinham bicicletário,
então mandei um e-mail para a administração
dizendo que era um absurdo uma faculdade daquele porte não
se preocupar com o meio ambiente", conta.
Como resultado, a instituição passou a liberar
seu estacionamento para as bicicletas. "A cidade não
está preparada para o ciclismo, mas por isso mesmo
temos que nos manifestar", defende.
Thiago Grecco Santoro, 12, também participa de pedaladas
em grupo pela cidade. Todo domingo, ele e seus pais se reúnem
com a turma do Olavo Bikers, que sai do bairro de Pinheiros
para um percurso de cerca de 40 km pelas ruas paulistanas.
Às terças, ele vai com a mãe ao grupo
de mulheres ciclistas Saia na Noite, onde é admitido
por ser considerado o mascote. "Andar em grupo é
muito mais tranqüilo e ajuda a criar maior segurança."
Fanático por sua bike, Thiago gostaria de usá-la
durante a semana para ir à escola, mas ainda não
tem autorização dos pais. "Eles acham perigoso,
mas quem sabe no ano que vem me deixam ir", torce.
Gabriel Teixeira Beshara, 17, já viveu na pele o perigo
que as pedaladas na cidade podem representar. O garoto, que
só se locomove de bicicleta, já foi atropelado
por um carro saindo de uma garagem. Os danos foram poucos:
um pára-brisa quebrado e um queixo machucado, mas o
susto foi suficiente para ele redobrar a atenção.
"Naquela época, eu achava que andar de bike era
como andar a pé", confessa. "Andava sem capacete,
na contramão... Hoje sou muito mais prudente."
Um carro a menos
Victor Barreiro Chaves já completou 18 anos, mas, graças
a sua bicicleta, não sentiu necessidade de tirar carta.
"Com ela vou para onde quiser, quando quiser",
afirma. "Ela me dá a independência de que
eu preciso."
Renato Fontanete Lima, 17, também acredita que o carro
não é uma necessidade imperativa. "É
a minha última prioridade", garante. "Hoje,
se eu quiser viajar no Estado de São Paulo, vou de
bike, se for para fora, vou de ônibus", resume.
Ele não fala da boca para fora. Recentemente, fez
uma viagem de mais de cem quilômetros pelo Rodoanel
do Estado, com seis amigos que conheceu em uma bicicletaria.
Renato acredita que as pessoas precisam tomar consciência
de que o uso da bicicleta é muito mais sustentável
que o dos carros e passar a respeitar o ciclista. "Hoje,
eu diria que apenas 30% dos motoristas nos respeitam",
contabiliza. "O resto passa zoando, nos fechando, achando
que são mais que nós".
Luana Villac
Folha de S.Paulo |