São Paulo, sábado, 16 de agosto de 2008

Miniconto

Pára de pensar, menino!

O menino da cabeça de vento tinha três redemoinhos bem no meio do cabelo. Pra completar aquele fenômeno esquisito, o cabelo dele crescia, feito nariz quando o dono conta muita mentira. A noite passava e nada de Chanel: o menino acordava a cara da Rapunzel!
E de nada adiantava cortar o cabelo daquele menino, pois só fazia perder tempo do barbeiro Severino. De olhar a tesoura não dava outra: brotavam centenas de fios, novinhos em folha. O cabelo ficava ainda pior depois de tomar chuva, fazendo daquela cabeça um xaxim e sua samambaia murcha. E quando Severino folgava era um desespero e aquela cabeleira crescia que era um exagero.
O médico da família nada mais podia fazer: nem tomando conhecimento o menino ficava careca de saber! Resolveu insistir mesmo assim: 'O que será que se passa naquela cabeça de pudim?' Pediu uns exames e receitou o antídoto dum tônico capilar pra acabar de vez com a novela: 'O átono carecar, minha gente, é tiro e queda!'
No entanto, praquela cabeleira nada funcionava: nem átono carecar nem reza brava!
Então o menino, que não agüentava mais viver com tanta minhoca na cabeça, resolveu tirar proveito daquilo tudo e decidiu dar jeito, ele mesmo, no problema cabeludo. Naquela noite, os vizinhos mal conseguiram dormir por causa dum cheiro pra lá de fedido; passaram a madrugada toda gritando: 'Pára de pensar, menino!'
Mas, para surpresa de todos, da noite pro dia, aquela coisa tão maluca acabou virando uma fábrica de perucas! Em um mês, o que deixou sua família rica não foi vento, nem rede, nem moinho, foi titica! Definitivamente cabeça oca o menino não tinha; os exames mostraram que sua cachola era cheia de cocô de galinha! A titica adubava a raiz dos cabelos e o cocuruto, deixando o menino com a imaginação bem fértil, bem arguto.
Mas a alegria durou pouco... De repente, o estoque de perucas começou a encalhar, sobrando chumaço de cabelo aqui e acolá. Não havia mais rastro de calvície nas adjacências, levando a fábrica da família à falência.
Então o menino, cheio de idéias sem pé nem cabeça, teve um revestrés: trocou os pés pelas mãos e a cabeça pelos pés. No lugar da fábrica para enfeitar cacholas criou uma indústria de limpador de solas. Os cabelos, que antigamente viravam penachos, hoje ganham nova vida em fantásticos capachos!


MARIA AMÁLIA CAMARGO é escritora e escreveu, entre outros, "Laranja-Pêra Couve Manteiga" (editora Girafinha) e prepara o lançamento de "Companhia Três Marias".

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