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COMENTÁRIO
Falta de memória e decadência
JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA
Com o desaparecimento
do Carlino, seus velhos companheiros ficam um pouco mais
solitários. O Capuano, cantina típica do Bixiga, aberta em 1907. O
Moraes, com seu filé ao alho, na
luta desde 1914. A Castelões, com
suas pizzas que movem montanhas dos Jardins à zona leste, fundada em 1924. E outros bravos resistentes, dos poucos restaurantes
que sobraram das safras anteriores a 1950, como Freddy (1935),
Gigetto (1938), Roperto (1942),
Bolinha (1946), Cantina 1020
(1948), Brasserie Victoria (1947),
Windhuk (1948), Jardim de Napoli (1949)...
Como deve ser duro para os sobreviventes ver a partida de seus
contemporâneos, e de sua solidão
observar o nascimento dos restaurantes yuppies em bairros
mais reluzentes de brilhantina. Só
lhes restando o consolo de que
mesmo estes jovens também
morrem, e como moscas: boa
parte deles são meras aventuras
financeiras, têm vida curta.
Por que mesmo no Rio de Janeiro, onde a história é mais presente, é preciso uma lupa para encontrar vestígios das casas mencionadas por Machado de Assis (enquanto que em Paris o mesmo Lapérouse do apaixonado Swann,
na obra de Proust, ainda pode ser
apreciado)? Por que em São Paulo
não podemos nos refestelar nos
mesmos locais que os modernistas de 22 (como fazem os franceses no mesmo Café Procope dos
revolucionários de 1789, ou os
belgas nas mesmas tavernas de
Lenin e Freud)?
Porque somos desmemoriados
e suscetíveis à moda fácil (nós,
consumidores, e mesmo os donos
de restaurantes, a quem frequentemente falta habilidade para
realçar, frente a novas clientelas,
suas velhas qualidades). Além do
mais, somos vítimas de especuladores imobiliários e da cobiça de
governantes que desfiguram a cidade: se a Brasserie Lipp de Paris
continua na moda, deve-se em
muito ao fato de que o bulevar
Saint-Germain, onde ela fica, continua também na moda; já aqui,
ao elegante largo do Arouche bastou uma geração para enfrentar a
sombra da decadência.
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