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Crítica/"Do Outro Lado"
Com vitalidade, drama expõe abismos entre Europa "bárbara" e "civilizada"
Divulgação
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Cena do filme 'Do Outro Lado', do cineasta Fatih Akin
CRÍTICO DA FOLHA
Há 30 anos, um pouco
mais, quem se preocupava com o destino e
os sentimentos dos imigrantes
na Alemanha era R. W. Fassbinder, autor do belo "Todos os
Outros se Chamam Ali".
Com Herzog, Kluge e Wenders, Fassbinder protagonizou
um momento de formidável vitalidade do cinema alemão no
pós-guerra. Depois foi a geração da Alemanha unificada, essa de agora. É uma geração com
certa vitalidade e, sobretudo,
bem mais otimista. Tem o hábito saudável (mas talvez não
muito proveitoso, a longo prazo) de empurrar as culpas alemãs nas contas gordas de Hitler
e dos comunistas, o que já produziu algumas comédias mais
que simpáticas.
Mas como ficam as relações
com os imigrantes? Os alemães, como os europeus em geral, têm o hábito de varrer a incômoda questão para baixo do tapete, isso quando não, em vez
de ver ali uma "questão", optam
simplesmente por varrê-los para fora de seu território (o que
acontece neste instante).
No entanto, deve-se a descendentes de imigrantes boa
parte da vitalidade cinematográfica européia. Os turcos hoje
estão com um pé na Comunidade Européia -mas as coisas
não são simples assim, sustenta
Fatih Akin, autor de "Do Outro
Lado" e alemão descendente de
turcos.
Diferenças
Entre a Europa "civilizada" e
a outra, "bárbara", existem
abismos consideráveis. O islamismo (de que o filme trata discretamente) é um deles, o machismo e os problemas políticos turcos, outros. Fatih Akin
dedica-se, no geral, a colocar
em cena essas questões.
Por um lado, existe Nejat Aksu, professor de literatura numa universidade alemã, cujo
velho pai mata acidentalmente
a ex-prostituta que passou a
morar com ele. O jovem deixa
seu emprego e volta à Turquia,
onde compra uma livraria e dedica-se a procurar pela filha da
mulher que morreu, uma jovem militante política tida por
terrorista pelo governo.
Essa é, em linhas gerais e linearizada, a história que serve
de suporte a "Do Outro Lado",
já que o filme recorre a esse hábito hoje bastante disseminado
nos roteiros de provocar ligeiros deslocamentos temporais,
de modo a narrar separados
dois fatos simultâneos.
Esse efeito de circularidade
tende a surpreender o espectador, o que é sempre uma vantagem. Sua desvantagem consiste, no caso, se apoiar numa série tão extensa de coincidências
que leva o filme (cujo terço inicial é o mais interessante) a
perder força progressivamente.
O que era, de início, um mergulho nesse contato a um tempo rico e complexo entre duas
culturas diferentes, aos poucos
reduz-se a um caso específico.
Um problema que não faz esquecer a beleza e eficácia de
certos planos (o de abertura,
por exemplo), bem como a vitalidade que se manifesta em alguns momentos, onde os desequilíbrios turcos parecem vir
alimentar essa cultura sedimentada, segura de si e, de certo modo, envelhecida da velha
Europa.
(INÁCIO ARAUJO)
Avaliação: bom
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