São Paulo, segunda-feira, 07 de julho de 2008

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Crítica/"Do Outro Lado"

Com vitalidade, drama expõe abismos entre Europa "bárbara" e "civilizada"

Divulgação
Cena do filme 'Do Outro Lado', do cineasta Fatih Akin

CRÍTICO DA FOLHA

Há 30 anos, um pouco mais, quem se preocupava com o destino e os sentimentos dos imigrantes na Alemanha era R. W. Fassbinder, autor do belo "Todos os Outros se Chamam Ali".
Com Herzog, Kluge e Wenders, Fassbinder protagonizou um momento de formidável vitalidade do cinema alemão no pós-guerra. Depois foi a geração da Alemanha unificada, essa de agora. É uma geração com certa vitalidade e, sobretudo, bem mais otimista. Tem o hábito saudável (mas talvez não muito proveitoso, a longo prazo) de empurrar as culpas alemãs nas contas gordas de Hitler e dos comunistas, o que já produziu algumas comédias mais que simpáticas.
Mas como ficam as relações com os imigrantes? Os alemães, como os europeus em geral, têm o hábito de varrer a incômoda questão para baixo do tapete, isso quando não, em vez de ver ali uma "questão", optam simplesmente por varrê-los para fora de seu território (o que acontece neste instante).
No entanto, deve-se a descendentes de imigrantes boa parte da vitalidade cinematográfica européia. Os turcos hoje estão com um pé na Comunidade Européia -mas as coisas não são simples assim, sustenta Fatih Akin, autor de "Do Outro Lado" e alemão descendente de turcos.

Diferenças
Entre a Europa "civilizada" e a outra, "bárbara", existem abismos consideráveis. O islamismo (de que o filme trata discretamente) é um deles, o machismo e os problemas políticos turcos, outros. Fatih Akin dedica-se, no geral, a colocar em cena essas questões.
Por um lado, existe Nejat Aksu, professor de literatura numa universidade alemã, cujo velho pai mata acidentalmente a ex-prostituta que passou a morar com ele. O jovem deixa seu emprego e volta à Turquia, onde compra uma livraria e dedica-se a procurar pela filha da mulher que morreu, uma jovem militante política tida por terrorista pelo governo.
Essa é, em linhas gerais e linearizada, a história que serve de suporte a "Do Outro Lado", já que o filme recorre a esse hábito hoje bastante disseminado nos roteiros de provocar ligeiros deslocamentos temporais, de modo a narrar separados dois fatos simultâneos.
Esse efeito de circularidade tende a surpreender o espectador, o que é sempre uma vantagem. Sua desvantagem consiste, no caso, se apoiar numa série tão extensa de coincidências que leva o filme (cujo terço inicial é o mais interessante) a perder força progressivamente.
O que era, de início, um mergulho nesse contato a um tempo rico e complexo entre duas culturas diferentes, aos poucos reduz-se a um caso específico. Um problema que não faz esquecer a beleza e eficácia de certos planos (o de abertura, por exemplo), bem como a vitalidade que se manifesta em alguns momentos, onde os desequilíbrios turcos parecem vir alimentar essa cultura sedimentada, segura de si e, de certo modo, envelhecida da velha Europa. (INÁCIO ARAUJO)

Avaliação: bom


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