São Paulo, domingo, 08 de setembro de 2002

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MÚSICA

Protagonista da "bossa de protesto" dos anos 60, o artista que quebrou o violão em festival de 67 volta em show e CD

Sérgio Ricardo revisa 45 anos de MPB

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

O homem de 70 anos que se apresenta hoje, ao entardecer, no Sesc Pompéia, anda meio sumido do circuito, mas acumula na memória histórias que atravessam toda a chamada "moderna MPB".
Sérgio Ricardo, paulista hoje estabelecido no Rio, apareceu para a música em 1957, dois minutos antes do advento da bossa nova. Logo se associou a ela, intitulando seu primeiro LP "A Bossa Romântica de Sérgio Ricardo" (60). Ali estava "O Nosso Olhar", futuro standard da bossa nova que ele regrava no recém-lançado CD "Quando Menos se Espera".
Mas aquele mesmo disco continha o samba "Zelão" (também regravado agora), embrião da canção de protesto dos 60 e um dos detonadores da grande cisão da bossa nova -"alienados" de um lado, "participantes" do outro. "Foi minha dissidência com a bossa", lembra ele ao celular, viajando de carro para se apresentar nos Sescs de Araraquara e Santos.
Dissidente, Sérgio foi trabalhar com música, cinema e Glauber Rocha (tudo ao mesmo tempo, em "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de 64). Mas a história de Zelão, que viu a chuva derrubar seu barracão (e "nem foi possível salvar violão"), ecoou em seu momento de maior celebridade.
Foi em 67, quando inscreveu o protesto futebolístico "Beto Bom de Bola" no festival da Record, aquele mesmo que viu explodir a geração tropicalista. O público vaiou impiedosamente, impelindo-o num rompante a quebrar de punho próprio o violão que nem a enxurrada de "Zelão" arrasara.
O artista data daí o início de sua "maldição", e os versos de "Beto Bom de Bola" (também presente no CD de volta) escondiam um pouco de sua história futura: "E foi-se a Copa/ e foi-se a glória/ e não se ouviu mais falar/ no maior craque da história".
"Essa música fala da exploração dos jogadores, do esquecimento. Quem se dá bem é sempre o cartola. De certa maneira é uma metáfora da minha história", avalia.
Se a imagem do destemperado quebrando o violão afastava a mídia, a insistência nos temas políticos atraía a Censura.
Em 73, foi chamado a prestar esclarecimentos sobre "Calabouço" (última das quatro regravações contidas no CD). "Driblei a Censura com uma explicação evasiva. Não ligaram o nome à pessoa, acabou passando." A canção se referia à morte do estudante Edson Luís, nos confrontos de 68. Na letra, "Calabouço" (o local onde Edson morreu) desdobrava-se em "cala a boca, moço", com todas as implicações adjacentes.
À mesma época, Chico Buarque (fã confesso de Sérgio desde o início até hoje) via mutilado seu "Calabar", que fazia jogo de palavras parecido, de "Calabar" com "cala a boca, Bárbara".
"Chico chegou na história um pouco depois, quando eu, Geraldo Vandré e Sidney Miller já estávamos dando porrada. Levantou a bandeira política sozinho quando já não havia mais ninguém, por causa do aparecimento da tropicália e da proibição de todos nós. Como vinha rodeado de enorme popularidade, não dava para censurá-lo totalmente."
No seu caso específico, o silêncio foi sendo imposto também pelo mercado. "Inventei a história de circuito universitário, para sobreviver de música sem precisar da mídia. Tenho feito isso, assumindo um trabalho marginal e paralelo", diz.
Por aí, explica o fato de entremear regravações de suas canções políticas entre as seis inéditas: "Gravo porque meus discos saíram todos de catálogo, e as pessoas ficam me pedindo as velhas. Vou regravar aos poucos, junto com as novas".
Um radical, enfim? "Não fui radical na temática, mas fui na vida, não querendo fazer concessão. Meu assunto com a arte nunca foi me dar bem."
De volta, só deixa de resguardo o velho e polêmico violão. No disco, lidou pela primeira vez com uma "orquestra sinfônica" feita de "botões e teclados". Em show, prefere o piano ao violão.


QUANDO MENOS SE ESPERA. Show de Sérgio Ricardo. Onde: Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, tel. 3871-7700). Quando: hoje, às 18h. Quanto: R$ 10.


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