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MOSTRA DE DRAMATURGIA CONTEMPORÂNEA
Trabalho e ousadia marcam a terceira semana do ciclo teatral
SILVIA FERNANDES
ESPECIAL PARA A FOLHA
No terceiro ciclo de apresentações, o Núcleo Teatro
Promíscuo prova que é possível,
com trabalho e ousadia, mostrar a
cara da dramaturgia contemporânea. Nesta semana menos sedutora. Mas com representantes radicais como Dionisio Neto, autor de
"O Dia Mais Feliz da Sua Vida".
Comparado ao francês Bernard-Marie Koltès pela criação de
"peças-paisagens" urbanas, ao
americano Sam Shepard pelos
monólogos inflados de influência
musical, aos ingleses Sarah Kane e
Mark Havenhill pelas perversidades temáticas de todos os gêneros,
Dionisio se alia aos brasileiros
Fernando Bonassi e Pedro Vicente no impulso de expor a violência
de modo casual e na estrutura
dramática que incorpora recursos
de cena e atuação, resultado da
prática eclética de dramaturgo,
ator e diretor em "Perpétua" e
"Opus Profundum".
No texto da mostra, compõe
uma dramaturgia de DJ em que
proliferam as vozes heterogêneas
do taxista Teófilo (Borghi), da
promotora de eventos Virgínia
(Duboc) e do tatuador Escárpia
(Nogueira), figuras-clichês incompletas do ponto de vista dramático, mas abertas à performance e ao humor negro característico dessa geração de dramaturgos.
Na estrutura instável de seu móbile dramático, nem sempre Dionisio acerta as variações de registro entre palco e rua, ao cruzar a
teatralidade ensandecida de Escárpia e Virgínia, em figurino de
pasta de dentes, e o realismo do
taxista vencedor de um bolão da
Copa do Mundo numa trama do
acaso, que dissemina os motivos
da tatuagem e do escorpião.
Híbrido, assombrado por um
veneno literal e figurado, o espetáculo "O Dia Mais Feliz da Sua Vida" não se resolve na direção de
Márcia Abujamra, que desperdiça
o mistério da caixa de surpresas e
a proliferação de escorpiões, próxima de certas passagens de Ionesco e Kafka. Em contrapartida,
acerta na direção dos atores. Débora Duboc atua com perfeição os
monólogos visuais, e Élcio Nogueira Seixas introduz um ruído
de nonsense na composição exata
de Renato Borghi.
O medo oculto nesse texto se expõe em "Blitz", de Bosco Brasil,
mais próximo da dramaturgia
irada dos "angry young men" ingleses Edward Bond, Harold Pinter e John Osborne. Aqui a guerra
civil urbana é vista pelo ângulo do
cabo Rosinha, acusado do assassinato de um aluno numa blitz de
periferia.
A narrativa da invasão e dos cadáveres que sobressaltam o policial e a mulher é o recurso que o
dramaturgo usa melhor, articulando o fracasso existencial à
agressão pública, como acontecia
em "Atos e Omissões". Ariela
Goldman encontra equivalente
exato para o texto ao compor um
estado de sítio cênico, que ameaça
o cotidiano do casal. Mas não impõe ritmo aos diálogos, girando
em falso, coisa que Seixas e Luah
Guimaraez não contornam.
Completando as três peças curtas, "Errado", de Alberto Guzik,
introduz a temática gay na diversidade da mostra. O dramaturgo
cria um texto sem riscos, em que
as personagens coerentes resultam de um recorte fiel da realidade do professor universitário de
carreira que se envolve com o jovem de periferia.
A direção de Sérgio Ferrara dinamiza a peça, ao sugerir situações que os bons atores sabem
aproveitar, enriquecendo visualmente os diálogos. Mas não consegue evitar, especialmente na
personagem do cunhado, o tom
didático do "raisonné" contemporâneo, que o talentoso Seixas
não consegue abafar.
Silvia Fernandes é professora de história do teatro da ECA-USP
Mostra de Dramaturgia Contemporânea
Quando: hoje, às 19h
Onde: Teatro Popular do Sesi (av.
Paulista, 1.313, tel. 3284-3639)
Quanto: entrada franca
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