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Veterano da arte digital fala sobre os novos desafios da cultura eletrônica pós-internet
Futuro de proveta
DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL
A arte "do futuro" tem ainda algumas contas a acertar com o presente. Quem afirma é o australiano Simon Biggs, 46, professor
pesquisador do departamento de
artes e design da Universidade de
Sheffield Hallam, Inglaterra, e um
dos convidados de honra do 4º
Festival Internacional de Linguagem Eletrônica, que acontece até
o final do mês em São Paulo.
"Dominar o computador é fácil.
Você só precisa aprender algumas
técnicas. Mas, dito isso, não significa que você tenha aprendido a
compor, a escrever e a produzir
uma imagem. E o que você tem
hoje é um monte de multimídia
ruim", afirma o artista, radicado
em Londres desde 1986, e que, no
final da década de 70, já havia trocado a pintura pelo computador.
Sempre fascinado pelos "processos", pelo fazer artístico, Biggs
vem ao festival com "Stream",
instalação digital que lança questões técnicas, estéticas e filosóficas
sobre a sociedade tecnológica e
sobre o próprio objeto na arte.
"Não faço arte para o consumo,
que possa ser coletada ou avaliada
como um objeto. Até por razões
políticas, não gostaria de ver meu
trabalho pendurado na parede",
disse em entrevista à Folha o artista, para quem a palavra "democracia" continua soando um tanto
espinhosa, mas que acha que a
melhor galeria já atende pelo nome de internet.
Folha - O que trouxe de novo a internet para o universo da arte?
Simon Biggs - Meu primeiro
contato com a rede foi nos anos
80, antes da internet que conhecemos hoje. E a primeira impressão
não foi muito boa. Pensei: não é
visual, não é muito interativo, não
estou interessado (risos). Então
veio o CD-ROM e depois a World
Wide Web, e percebi que poderia
colocar minhas obras ali para
qualquer um ver a qualquer hora.
Folha - Um meio democrático?
Biggs - Democrático? Não sei o
que essa palavra quer dizer (risos). Mais aberto e acessível. Sei
de muitas pessoas que têm preconceito com galerias, mas, ainda
que haja quem não se sinta confortável com a internet, o número
de pessoas que se sentem confortáveis com ela já é muito maior. E
isso me traz um público novo.
Folha - Mais jovem?
Biggs - Mais ou menos. Imagino
que seja alguém interessado em
uma visão de mundo pluralista
em que o conflito de idéias seja
visto como algo positivo, que assuma a responsabilidade de extrair o seu próprio sentido da
obra. Raramente uso elementos
da cultura pop. Meus trabalhos
fazem referência a Kafka, Beckett,
Milton, Dante. Não a um escritor
específico, mas ao ato de escrever
e ler, o processo de como o significado é construído. O que gosto no
computador é pedir que ele faça
[a escrita] por mim. Mas computadores não têm motivos para escrever, são máquinas que fazem o
que lhes mandam.
Folha - Como "Stream", que reproduz frases aleatórias de "Ulisses" à medida que as pessoas se
movimentam na instalação?
Biggs -Em "Stream", lido com a
idéia de as pessoas poderem se ver
refletidas em um telão [por meio
de formas, cores e textos], mas
também ver o reflexo de outras
pessoas. Em muitos textos de Joyce, isso é explícito. Histórias como
"Ulisses" têm uma forte voz do
autor. Quando você lê, tenta entrar naquele mundo, que não é o
seu -e talvez nem seja o dele.
Folha - A crise da identidade?
Biggs -A obra permite que você
veja fisicamente diversos pontos
de vista ao mesmo tempo. Então
está todo mundo vendo a maneira de ver de todos os outros. O que
tento fazer lá é criar uma confusão
sobre quem é quem. Esse é o meu
ponto de vista ou é o seu? É uma
metáfora de como os individualismos se formam em relação com
o coletivo e vice-versa. Nada é fixo. Somos definidos pelo que nos
rodeia, e isso muda sempre.
Embora usando conceitos de virtualidade, você trabalha com instalações. Acha que a arte digital
tem essa necessidade de buscar o
contato físico, além da internet?
Biggs - Sim. Ainda que eu use a
tecnologia, meu trabalho nunca
foi sobre pessoas interagindo com
computadores, mas sobre pessoas interagindo com outras, processos sociais, e a obra é resultado
disso. A internet mudou o papel
do computador, que antes era
usado no trabalho e agora está
nos quartos, nos carros, em todo
lugar. O computador não é mais
uma interface para o espaço virtual, é um meio de comunicação.
Folha - E então como vamos saber
diferenciar um artista digital de
um Bill Gates da vida?
Biggs - São valores diferentes (risos). Importo-me com as pessoas
e com como posso influenciar a
vida delas. Já para Gates e o comércio em geral, é tudo dinheiro.
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