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"AUTO DA PAIXÃO E DA ALEGRIA" E "INUTILEZAS"
Montagens estão no teatro Paulo Eiró e no Sesc Belenzinho
Peças celebram a fé no questionamento
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Dois teatros na cidade celebram a fé à moda do teatro:
a fé no questionamento e na reinvenção do mundo.
Para fazer essa catequese ao
contrário, em "Auto da Paixão e
da Alegria", Luís Alberto de
Abreu celebra esse catolicismo
brasileiro que reinterpreta a Bíblia
segundo sua própria fome, que ri
quando deve chorar e que chama
Deus pelo antinome diante do
pão que não comerá jamais.
O que se desestrutura aqui, no
meio do caminho entre Nova Jerusalém e Monty Python, é a Paixão de Cristo. Para quem já conhece o universo de Abreu, basta
dizer que, nesse episódio, Matias
Cão e João Teité (os excelentes
Edgar Campos e Luti Angelelli,
que comungam a energia de Mirtes Nogueira e a polivalência de
Aiman Hammoud) agem enquanto 13º e 14º apóstolos. Mais
desconfiados do que Tomé, mas
mais pacientes do que Jó, atravessam a Judéia na esperança de que
o mestre repita seu primeiro e
mais popular milagre, o da multiplicação do pão e do vinho. Mas
chegaram tarde e só vão presenciar a última ceia, na qual a comida não foi das melhores.
O que fazer diante de tanta resignação? Rir, emocionar-se, denunciar? A Fraternal Companhia
deixa ao gosto do público e conquista pela identificação irônica.
Perde força, porém, quando, na
crucificação, não ousa mais rir,
perdendo o distanciamento para
buscar a catarse. O espetáculo volta ao eixo só quando recupera seu
saudável cinismo.
De todo modo, a Fraternal sabe
o que é viver da fé, tendo um teatro enorme e distante para encher
a cada dia.
A partir de seu mote, "o homem
é a utopia de Deus", vai merecer
casas de cultura que virão. Por enquanto vale cruzar a cidade para
celebrar a alegria.
"Inutilezas"
Em outro ritual, desta vez mais
pagão, a palavra do poeta Manoel
de Barros, em "Inutilezas", se faz
imagem lúdica por intermédio de
Moacir Chaves, com sua já consagrada competência para transformar textos não-teatrais em paisagens sonoras irresistíveis.
Em uma ótima associação, Pedro Luís faz a trilha sonora ao vivo, reciclada de sucata, na filiação
declarada a Hermeto Pascoal.
Bianca Ramoneda escolheu trechos de Manoel de Barros privilegiando o que ele tem de mais lúdico, tirando a solenidade da comparação com Guimarães Rosa para um quintal mais próximo de
Monteiro Lobato.
De fato, há algo de Pedrinho nas
pausas plenas de Gabriel Braga
Nunes, reinventando o mundo,
enquanto, em contraponto, Bianca, com seus olhos de retrós,
"emilia" (do verbo "emiliar", revisor, conceda-me o contágio).
Sai-se do teatro reconciliado com
a incongruência do mundo, emocionado pelo simples.
E é para esses pequenos rituais
que o teatro foi inventado.
Auto da Paixão e da Alegria
De: Luís Alberto de Abreu
Direção: Ednaldo Freire
Com: Fraternal Companhia de Artes e
Malas Artes
Onde: teatro Paulo Eiró (av. Adolfo
Pinheiro, 765, tel. 5546-0449)
Quando: sex. e sáb.: às 21h; dom.: às
18h; até 29/9
Quanto: R$ 10
Inutilezas
De: Manoel de Barros
Direção: Moacir Chaves
Com: Bianca Ramoneda e Gabriel Braga
Onde: Sesc Belenzinho (av. Álvaro
Ramos, 915, tel. 6605-8143)
Quando: sáb.: às 21h; dom.: às 20h; até
25/8
Quanto: de R$ 5 a R$ 15
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