|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"A HORA EM QUE NÃO SABÍAMOS NADA UNS DOS OUTROS"
Público é convidado a compor ele mesmo seu trajeto de sentido
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Pátio interno de um casarão imponente. Na frente, à
esquerda, uma árvore frondosa
indica, junto a caminhos por entre canteiros de flores, que estamos em um passeio público. O
vento agita as folhas, oferecendo
oráculos para quem souber ouvir.
Um homem nu atravessa o pátio.
Assim começa "A Hora em que
Não Sabíamos Nada uns dos Outros", de Peter Handke. Despertado em sua imprevisibilidade, o
pacato espaço-tempo do pátio do
Instituto Goethe vai enlouquecer.
Quase 20 atores, fazendo cada um
quase 20 personagens, sem nenhum diálogo, vão organizar um
desfile de cenas urbanas, em que
mendigos, carteiros, escoteiros,
policiais cruzam com Moisés,
Carlitos, o Papagueno da ópera de
Mozart, e até, em metalinguagem,
o diretor, a figurinista e operadores de luz e som.
Nesse caleidoscópio sem órbita,
o público é convidado a compor
ele mesmo o seu trajeto de sentido, como quem faz um buquê. Algumas cenas são em tempo real:
uma cega se perdeu, quem virá
buscá-la? Outras exigem uma cinematográfica quebra da unidade
de tempo: acompanhamos a trajetória de um casal improvável,
do primeiro encontro fortuito ao
nascimento do filho. O jogo, poético e hilário, aviva o prazer intrínseco ao teatro -buscar um
senso para a vida, como quem
busca o Wally.
O fato de que cada ator tem
poucos segundos para trocar de
personagem e figurino, responsabilizando-se cada um por uma
produção equivalente à de uma
peça inteira, prova o quanto a Cia.
Elevador de Teatro Panorâmico é
sólida e organizada. Não há tempo para estrelismos, nem para
grandes teorias de interpretação.
Está lá Gabriel Miziara, que há
pouco se destacou no monólogo
"Loucura", quando a Elevador foi
todos por um; agora, são todos
por todos que, nos minuciosos e
diminutos solos, alternam "insights" líricos com caricaturas
histriônicas, sem perder a verossimilhança, sem se desconcentrar
da dor e delícia de ser o que é.
Maitê Chasseraux, a figurinista
concorrente ao "Guiness" pelo
que foi exigida em criatividade,
circula com a mesma capacidade
por todos os gêneros, da reconstituição naturalista à fantasia luxuosa, do uniforme ao abstrato. A
trilha de Fernando Mastrocolla
resolve genialmente, só com o solo de violão e ruídos, todos os climas e ritmos, em uma criação
conjunta com o elenco e a direção.
Marcelo Lazzaratto é o líder
tranquilo no centro desse caos.
Usou o desafio para desenvolver
uma técnica de interpretação, sua
dissertação de mestrado, que convida cada ator a compartilhar a
criação do espetáculo. A peça, assim, serve de mostruário para o
imenso potencial de seu grupo.
Tampouco mímica, como os filmes de Jacques Tati, tampouco
dança, como os espetáculos de Pina Bausch, "A Hora em que..."
não é uma revolução do teatro:
entusiasma pela simplicidade.
Seu despojamento e sua vocação
para a intervenção urbana fazem
com que se imagine facilmente o
espetáculo abrindo festivais. Dialogaria deliciosamente com Curitiba, com São José do Rio Preto,
assim como -por que não-
com Edimburgo e Avignon.
A Hora em que Não Sabíamos
Nada uns dos Outros
Texto: Peter Handke
Direção: Marcelo Lazzaratto
Onde: Instituto Goethe (r. Lisboa, 974,
tel. 3088-4288)
Quando: sex., às 22h; sáb., às 21h; e
dom., às 19h; até 1º/12
Quanto: R$ 10
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Claro explícito: Exposição dá vontade de tomar banho Índice
|