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CLARO EXPLÍCITO
Instalação de Bia Lessa no Itaú Cultural explicita a violência do cotidiano com labirintos de jornais
Exposição dá vontade de tomar banho
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Preferi ver a exposição "Claro Explícito", de Bia Lessa,
pelos olhos de um grupo de crianças, estudantes da quarta série de
uma escola pública de São Bernardo (Ramiro Gonçalez Fernandes) -até porque, devo confessar
ao leitor, meus conhecimentos
sobre artes plásticas fazem-me
tão habilitado a ser crítico de arte
quanto comentarista de futebol.
Convidaram-me para escrever
este artigo na suposição de que,
depois de tantos anos investigando a violência, tivesse desenvolvido algum tipo de estética gerada
pela ética (ou falta de) da exclusão. Não desenvolvi, mas aprendi
que a arte presta-se como espelho
e janela dos espíritos sitiados, ao
acompanhar experiências de arte-educação com populações, especialmente crianças e adolescentes,
marginalizadas.
Eram 15 meninos e meninas
sentados no chão, cercados de
centenas de milhares de notas falsas, protegidas pelo vidro; a poucos metros dali, baratas vivas, devidamente enjauladas no chão,
zanzavam nervosamente. O monitor fazia, pelas perguntas, provocações, queria medir até onde
as sensações transmitidas pela exposição transformavam-se em
entendimento. Eram alunos excitados não pela dispersão de uma
sala de aula, mas pela angústia de
sentir, compreender e, ao mesmo
tempo, não compreender. É a verdadeira experiência educativa.
Pela clareza das respostas e de
outras perguntas feitas pelos estudantes, via-se como a violência do
cotidiano, simbolizada nas baratas, nas cartas de crianças penduradas nas paredes, nos labirintos
criados com pilhas de jornais, nas
montanha de dinheiro, estava tão
clara, tão explícita.
A vontade de decodificar os
símbolos era a vontade de decodificar a angústia que aqueles seres
trouxeram da rua e da casa. Tudo
tão óbvio, tão claro, tão explícito,
que, para o espectador, precisa ser
tão urgentemente decodificado,
como se fosse necessário extrair,
ali mesmo, a realidade.
A violência não é a violência
apenas da porrada, mas da insegurança de se sentir desafiado,
perdido em tantos labirintos ao
mesmo tempo; labirintos feitos,
inclusive, na notícia, hoje tão
abundante, é capaz mais de tirar
do rumo do que elucidar. A exposição (ou seja qual for o nome
que se dê para isso, afinal mais
parecia um palco de teatro) é o
labirinto da violência das ruas
que nos faz enxergar, como enxergaram aquelas crianças, os
nossos próprios labirintos, essa sensação de não ter saída,
como se a qualquer momento
fôssemos atacados.
É um excelente programa
para quem deseja sentir a versão estética da angústia da violência -e visita obrigatória
para as escolas que desejam
ensinar a seus estudantes o que
o cotidiano da violência das cidades molda nossa percepção
de outros e de nós mesmos.
Claro Explícito
Onde: Itaú Cultural (av. Paulista, 149,
tel. 3268-1700)
Quando: de ter. a sex.: das 10h às
21h. Sáb. e dom.: das 10h às 19h. Até
16 de fevereiro
Quanto: grátis
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