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"Segredo do Grão" aborda imigrantes na França
Diretor faz tributo a seu pai em longa que passa hoje no Reserva Cultural
Premiado na Itália e França, terceiro longa de Abdellatif Kechiche é o seu primeiro com distribuição no Brasil, com estréia prevista para 11/7
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Não fosse o sacrifício do pai,
que imigrou da Tunísia para a
França nos anos 60 e trabalhou
duro como operário, Abdellatif
Kechiche não seria cineasta.
Hoje um dos nomes mais premiados do cinema francês, Kechiche concebeu "O Segredo do
Grão" como um tributo à geração de imigrantes tunisianos da
qual seu pai fez parte.
"O filme é uma homenagem a
esses homens que trabalharam
por salários muito baixos para
oferecer condições de vida melhores para seus filhos. Meu pai
fez esse percurso: chegou à
França com duas crianças pequenas e nunca deixou de trabalhar. Foi um sofrimento físico intenso, mas movido pela felicidade de construir um futuro
melhor", disse Kechiche à Folha, no último Encontro com o
Cinema Francês, em Paris.
Terceiro longa de Kechiche,
"O Segredo do Grão" é uma das
principais atrações do Panorama do Cinema Francês e o primeiro filme do diretor com distribuição assegurada no Brasil
(estréia prevista para 11/7).
Seu primeiro filme, "La Faute à Voltaire" (a culpa é de Voltaire), de 2000, chamou a atenção da crítica, mas foi "L'Esquive" (a esquiva), um drama escolar adolescente, que firmou seu
nome no cenário do cinema
francês ao vencer o César (o
"Oscar" do país), em 2003.
A coleção de prêmios continuou com "O Segredo do Grão",
um filme que acompanha os esforços de Slimane (Habib Boufares), estivador à beira da aposentadoria, para abrir um restaurante flutuante em Sète, cidade portuária da França. Com
forte influência neo-realista, o
filme recebeu o Grande Prêmio
do Júri em Veneza no ano passado e voltou a surpreender no
César, com quatro troféus -incluindo melhor filme e diretor.
Kechiche representa um sopro de vida para o cinema francês, principalmente por abordar a questão dos imigrantes
-o país praticamente ignorou
o assunto em seus filmes até
pouco tempo atrás.
Kechiche atribui esse "atraso" a uma certa contradição:
"Existe um entendimento no
país de que, para se tornarem
francesas, pessoas de outras
culturas precisam negar sua
identidade. É uma falsa aceitação das origens raciais diferentes. Não se compreende que é
possível viver à sua maneira e
ser completamente francês".
Mas as qualidades de "O Segredo do Grão" não se limitam
ao fato de representar as minorias. "Sei que fazer um filme sobre um meio social praticamente invisível vai lhe dar uma
maior legitimidade e tento fazer essa diferença pela imagem.
A representação é importante,
mas não pode ser tudo. Na hora
de fazer o filme, é preciso se
concentrar na forma, nos personagens, nos atores e esquecer
as outras questões."
"Sem mentiras"
"O Segredo do Grão" mistura
atores profissionais e não-atores com uma simbiose perfeita.
De acordo com Kechiche, não
existe segredo nesse processo:
"Basta ser sincero e mostrar os
personagens que amamos sem
mentiras", diz. "Considero o
trabalho com os atores uma arte em si. Minha função é oferecer ferramentas para que possam se expressar por meio dos
personagens, e para isso não
importa se são profissionais."
No elenco que dá vida à família e aos vizinhos de Slimane,
destaca-se a primeira candidata a estrela do cinema francês
de origem não francesa: Hafsia
Herzi, 21, que interpreta a filha
mais nova de Slimane, ganhou
o prêmio Marcello Mastroianni
do Festival de Veneza (para
ator ou atriz revelação) e levou
o César na mesma categoria.
"Foi um trabalho intenso:
durante seis meses, nos encontramos ao menos uma vez por
semana e, depois, foram três
meses de ensaios. Kechiche
permitia que a gente rescrevesse os diálogos para ficar mais à
vontade", afirma Hafsia, que,
agora, sonha em viver papéis
glamourosos. "Queria fazer
uma princesa ou uma espiã."
O pai de Kechiche não chegou a ver "O Segredo do Grão".
"Ele só viu meu primeiro filme.
Quando resolvi fazer cinema,
meu pai foi solidário, talvez
porque ele mesmo tivesse alguma coisa de artista e por ter um
forte lado aventureiro, característica fundamental para quem
quer fazer arte." Mais importante do que mostrar o sacrifício de um homem, para o diretor, é ser justo com sua alegria.
"Ele viveu com muitas dificuldades, mas sempre com
enorme satisfação, encontrando energia para continuar. Um
exemplo para qualquer um que
queira fazer cinema."
O SEGREDO DO GRÃO
Produção: França, 2007
Direção: Abdellatif Kechiche
Com: Habib Boufares, Hafsia Herzi
Quando: hoje, às 21h30, no Reserva
Cultural; classificação indicativa não
informada
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