São Paulo, quarta-feira, 25 de junho de 2008

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"Segredo do Grão" aborda imigrantes na França

Diretor faz tributo a seu pai em longa que passa hoje no Reserva Cultural

Premiado na Itália e França, terceiro longa de Abdellatif Kechiche é o seu primeiro com distribuição no Brasil, com estréia prevista para 11/7

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Não fosse o sacrifício do pai, que imigrou da Tunísia para a França nos anos 60 e trabalhou duro como operário, Abdellatif Kechiche não seria cineasta.
Hoje um dos nomes mais premiados do cinema francês, Kechiche concebeu "O Segredo do Grão" como um tributo à geração de imigrantes tunisianos da qual seu pai fez parte.
"O filme é uma homenagem a esses homens que trabalharam por salários muito baixos para oferecer condições de vida melhores para seus filhos. Meu pai fez esse percurso: chegou à França com duas crianças pequenas e nunca deixou de trabalhar. Foi um sofrimento físico intenso, mas movido pela felicidade de construir um futuro melhor", disse Kechiche à Folha, no último Encontro com o Cinema Francês, em Paris.
Terceiro longa de Kechiche, "O Segredo do Grão" é uma das principais atrações do Panorama do Cinema Francês e o primeiro filme do diretor com distribuição assegurada no Brasil (estréia prevista para 11/7).
Seu primeiro filme, "La Faute à Voltaire" (a culpa é de Voltaire), de 2000, chamou a atenção da crítica, mas foi "L'Esquive" (a esquiva), um drama escolar adolescente, que firmou seu nome no cenário do cinema francês ao vencer o César (o "Oscar" do país), em 2003.
A coleção de prêmios continuou com "O Segredo do Grão", um filme que acompanha os esforços de Slimane (Habib Boufares), estivador à beira da aposentadoria, para abrir um restaurante flutuante em Sète, cidade portuária da França. Com forte influência neo-realista, o filme recebeu o Grande Prêmio do Júri em Veneza no ano passado e voltou a surpreender no César, com quatro troféus -incluindo melhor filme e diretor.
Kechiche representa um sopro de vida para o cinema francês, principalmente por abordar a questão dos imigrantes -o país praticamente ignorou o assunto em seus filmes até pouco tempo atrás.
Kechiche atribui esse "atraso" a uma certa contradição: "Existe um entendimento no país de que, para se tornarem francesas, pessoas de outras culturas precisam negar sua identidade. É uma falsa aceitação das origens raciais diferentes. Não se compreende que é possível viver à sua maneira e ser completamente francês".
Mas as qualidades de "O Segredo do Grão" não se limitam ao fato de representar as minorias. "Sei que fazer um filme sobre um meio social praticamente invisível vai lhe dar uma maior legitimidade e tento fazer essa diferença pela imagem.
A representação é importante, mas não pode ser tudo. Na hora de fazer o filme, é preciso se concentrar na forma, nos personagens, nos atores e esquecer as outras questões."

"Sem mentiras"
"O Segredo do Grão" mistura atores profissionais e não-atores com uma simbiose perfeita. De acordo com Kechiche, não existe segredo nesse processo: "Basta ser sincero e mostrar os personagens que amamos sem mentiras", diz. "Considero o trabalho com os atores uma arte em si. Minha função é oferecer ferramentas para que possam se expressar por meio dos personagens, e para isso não importa se são profissionais."
No elenco que dá vida à família e aos vizinhos de Slimane, destaca-se a primeira candidata a estrela do cinema francês de origem não francesa: Hafsia Herzi, 21, que interpreta a filha mais nova de Slimane, ganhou o prêmio Marcello Mastroianni do Festival de Veneza (para ator ou atriz revelação) e levou o César na mesma categoria.
"Foi um trabalho intenso: durante seis meses, nos encontramos ao menos uma vez por semana e, depois, foram três meses de ensaios. Kechiche permitia que a gente rescrevesse os diálogos para ficar mais à vontade", afirma Hafsia, que, agora, sonha em viver papéis glamourosos. "Queria fazer uma princesa ou uma espiã."
O pai de Kechiche não chegou a ver "O Segredo do Grão". "Ele só viu meu primeiro filme.
Quando resolvi fazer cinema, meu pai foi solidário, talvez porque ele mesmo tivesse alguma coisa de artista e por ter um forte lado aventureiro, característica fundamental para quem quer fazer arte." Mais importante do que mostrar o sacrifício de um homem, para o diretor, é ser justo com sua alegria.
"Ele viveu com muitas dificuldades, mas sempre com enorme satisfação, encontrando energia para continuar. Um exemplo para qualquer um que queira fazer cinema."


O SEGREDO DO GRÃO
Produção:
França, 2007
Direção: Abdellatif Kechiche
Com: Habib Boufares, Hafsia Herzi
Quando: hoje, às 21h30, no Reserva Cultural; classificação indicativa não informada


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