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ARQUITETURA
Após dois anos e meio de reforma, igreja é reaberta com missa
Catedral da Sé reinaugura sua mistura de estilos
GUILHERME WISNIK
CRÍTICO DA FOLHA
A Catedral da Sé pode não
ser um digno exemplar da
nossa arquitetura, mas é inegavelmente um símbolo importante da
cidade de São Paulo no século 20.
Nesse sentido, seu valor reside
menos na qualidade estética do
edifício do que na sua capacidade
de expressar uma vocação da cidade: a mistura de um vigoroso
ímpeto construtor e de um indisfarçável mau gosto.
Sob esse prisma, é possível entendê-la como expressão legítima
de um certo orgulho paulistano:
tanto por hospedar significativos
restos mortais (como do regente
Feijó e do cacique Tibiriçá, importante líder indígena convertido) quanto por ser a referência
brasileira, dada a extensão de sua
nave, no ranking de igrejas da Basílica de São Pedro, no Vaticano.
A construção de uma catedral
em estilo neogótico com uma cúpula renascentista, já em pleno século 20, parece a princípio uma
aberração. Mas é coerente tanto
com a voga estilística do início do
século, o ecletismo, quanto com a
vontade de expressão da burguesia de uma cidade feita de imigrantes, e que começava a crescer
muito rapidamente.
A cidade dos "heróis" bandeirantes tinha sido muito pouco beneficiada com a riqueza do ouro, e
a severidade da antiga Igreja Matriz, pobre em ornamentação, não
fazia jus à pujança da cidade que
surgia. A construção da nova catedral foi parte de um projeto de
reurbanização do centro, em que
o antigo largo da Sé, de feição colonial, viu-se transformado em
uma praça quase cinco vezes
maior que sua área original.
O estilo gótico, considerado
grandioso por sua ascencionalidade, foi transplantado para o local onde antes dominava o despojamento jesuíta, fixando-se como
um símbolo deslocado, mas legítimo, de uma cidade que elegeria
para si outros "neos", como o barroco extemporâneo da Igreja
Nossa Senhora do Brasil.
É muito significativo, no caso,
que a majestade do empreendimento tenha se desdobrado em
outras semelhanças, que não só
estilísticas, com as igrejas medievais: sua obra arrastou-se por
quase meio século (de 1913 a
1954). Passados tantos anos, a catedral abriu as portas durante as
comemorações do IV Centenário
da cidade, simultaneamente à
inauguração dos edifícios modernos do parque Ibirapuera. Contraste típico de uma cidade de feições sobrepostas, que cresceu
num ritmo acelerado.
Por isso, acho que a discussão
sobre sua atual recuperação se
vincula, antes de tudo, a uma leitura histórica que permita compreender alguns de seus aparentes disparates.
O restauro da catedral ainda é
parcial. Conduzido pelo arquiteto
Paulo Bastos, consiste basicamente na recuperação (tanto estrutural quanto ornamental) do
edifício, e na construção de 14 novos torreões que estavam previstos no projeto original, do arquiteto Max Hehl. Interditado pelo
Contru (Depto. de Controle de
Uso de Imóveis) devido ao estado
precário de suas instalações, o
santuário reabre hoje suas portas
após dois anos e meio de obras.
A construção dos novos torreões não se inscreve, evidentemente, no campo do necessário,
mas no da composição estética.
Nesse sentido o conjunto ganhará
em harmonia, pois as torres mais
baixas ajudam a elevar o corpo inteiro da igreja e a dissolver um
pouco o contraste de estilos que
era muito marcado, entre a cúpula e as torres principais.
Por fim, o "falseamento" de envelhecer o cobre da cobertura das
novas torres é coerente com a arquitetura da catedral: uma mistura artificiosa de estilos, fantasia
pura.
CATEDRAL DA SÉ - reabertura da igreja
restaurada, com missa celebrada pelo
arcebispo de São Paulo, o cardeal Dom
Cláudio Hummes. Quando: hoje, às 10h.
Onde: pça. da Sé, s/nš. Quanto: entrada
franca.
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