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14º FESTIVAL DE CURTAS
Crítico Jean Claude Bernardet lança livro e avalia fascínio do homem "pela própria vivência"
"Nós nos duplicamos numa imagem"
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
O 14º Festival Internacional de
Curtas-Metragens (confira no
quadro abaixo filmes brasileiros
em destaque hoje) abriga na próxima terça o lançamento do livro
"Cineastas e Imagens do Povo",
do professor, crítico e cineasta
Jean-Claude Bernardet, 67.
Editada originalmente em 1985,
a obra foi revista e ampliada por
Bernardet, com o objetivo de
"contribuir para a discussão num
momento em que a produção de
documentários recrudesceu".
A seguir, o autor fala do tema.
Folha - O sr. é um crítico rigoroso
até com os próprios filmes. Quando
aponta precariedades em obras
consagradas, como "Viramundo"
(Geraldo Sarno, 1972), objetiva ser
iconoclasta ou argumentar com os
que atribuem aos documentários
uma função sobretudo didática?
Jean Claude Bernardet - Tenho o
propósito de dialogar com o senso geral de que o documentário é
a realidade. Mas pretendo também dialogar com os realizadores.
Não acho que o trabalho essencial da crítica seja atribuir notas
boas ou ruins aos filmes, mas,
sim, perceber quais são os problemas que eles colocam.
No caso de "Viramundo", faço a
crítica do que chamei de modelo
sociológico. Só posso fazê-la porque "Viramundo" foi fundo nisso, porque ele se realiza como um
filme nesse modelo. A questão
não é ser bom ou ruim. É claro
que "Viramundo" é um bom filme. Não tenho a menor dúvida.
Folha - Na edição revista de seu livro, o sr. compara "O Prisioneiro da
Grade de Ferro" (Paulo Sacramento, 2003) com o curta "Jardim Nova
Bahia" (Aloysio Raulino, 1971). O
novo no cinema brasileiro é uma
reconstrução, e não uma criação?
Bernardet - Quando fiz essa relação, quis dizer que existe uma tradição no documentário brasileiro. Um filme como "O Prisioneiro
da Grade de Ferro", que é muito
novo, encontra suas raízes dentro
da própria produção de documentário brasileiro. Acho isso importante porque tradicionalmente diz-se que o Brasil importa tudo -a nouvelle vague, o naturalismo etc. Ou seja, que os estímulos vêm de fora.
Por outro lado, queria ressaltar
que esse filme foi possível graças
às pequenas câmeras digitais [entregues aos prisioneiros do Carandiru para filmarem sua rotina
na carceragem]. No entanto, o
uso das novas tecnologias depende muito de com que finalidade
serão empregadas. Esse é um
exemplo de que as tecnologias
possibilitaram o desenvolvimento de uma idéia que existia antes,
mas que não podia ir tão longe.
Folha - O sr. citou o recrudescimento da produção documental no
Brasil, que é por vezes explicada a
partir da dificuldade de realizar cinema ficcional. Essa tese situa o
documentarista como um ficcionista frustrado. O sr. a endossa?
Bernardet - Vejo isso muito diferentemente. Atribuo o aumento
dos documentários ao que vem se
chamando de "crise da representação ficcional". Não acreditamos
mais nesse realismo que durante
um século ou mais se fez passar
por "a vida como ela é". Acho que
a importância do documentário
está muito ligada a essa questão.
Por outro lado, há um fascínio
cada vez maior pelas imagens
captadas diretamente da realidade, até por um material bruto
quase sem tratamento. Não é só o
documentário cinematográfico,
mas estamos cercados por uma
gama diversificada de produções,
desde a câmera de vigilância até o
"reality show", que a gente sabe
ser totalmente contrafeito, artificial, mas que se apresenta como o
real. Acho que temos um fascínio
pela imagem da nossa própria vivência. Vivemos nos duplicando.
Nos duplicamos numa imagem.
CINEASTAS E IMAGENS DO POVO. De:
Jean Claude Bernardet. Editora:
Companhia das Letras. Quanto: R$ 38
(320 págs.). Lançamento na próxima
terça, às 19h, na livraria do Anexo do
Espaço Unibanco (r. Augusta, 1.470).
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